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19/01/2004
-
08h00
MOACYR SCLIAR
Colunista da Folha de S.Paulo
Comandante da American Airlines, ao ser fichado no aeroporto de São Paulo, posou com o dedo médio em riste. "É um gesto internacionalmente obsceno", afirmou o delegado Francisco Baltazar da Silva.
Cotidiano, 15.jan.2004
Sim, nós pertencemos todos à mesma mão, ao mesmo corpo. Sim, nós temos basicamente a mesma função, nós cinco. Sim, nós somos todos iguais. Mas alguns, é preciso dizer, são mais iguais. Alguém precisa se destacar, alguém precisa se impor, alguém precisa mandar, alguém precisa dizer ao resto da corja como proceder. E agora ficou claro a quem deve caber esse papel, esse posto, esse título.
Você, Polegar, não podia ter essa aspiração. Para começar você é pequeno, tão pequeno que até deu o nome para aquele personagem de uma história infantil, o Pequeno Polegar. Além de pequeno, você é humilde. Você é sempre o escolhido para dar a impressão digital. Se um analfabeto precisa assinar um documento, passam um pouco de tinta em você e fazem com que você cumpra esse desagradável serviço. Ou seja, sua existência se traduz nisso, em uma impressão.
Você, Mindinho, é pior ainda. O Polegar é ao menos grosso; você é fininho, delicado. No passado você servia para indicar aristocracia; aquelas pessoas elegantes que tomavam chá com você elevado no ar, lembra? Isso passou, nem essa função você tem mais. Você é completamente inútil, Mindinho. Inútil e fraco. Você não serve para o nosso mundo.
Você, Anular, é o símbolo da submissão. Como seu nome diz, você serve para portar o anel. Você mostra que um homem, ou uma mulher, são casados. Com isso, você tolhe a liberdade deles, você impede que possam viver grandes e excitantes aventuras. Você é um moralista retrógrado, Anular. Pior, você está com os dias contados, em primeiro lugar porque muita gente não casa mais, e em segundo, porque ninguém mais quer usar aliança.
A você, Indicador, devo certo respeito. Reconheço que você seria o único a postular alguma liderança. Porque você tem uma função importante: você aponta, você indica, você acusa. Em muitas circunstâncias você é conhecido como Dedo-Duro e isso, para mim, é uma distinção. Você é temido, Indicador, e no nosso mundo só sobrevive quem é temido.
Mas você, Indicador, não pode pretender estar à minha altura. Nem você, nem os outros. Para começar, estou numa posição privilegiada, sou o dedo central. E sou o maior dedo. Se alguma dúvida ainda existia em torno da minha liderança, ficou definitivamente afastada neste caso do piloto americano. Esse homem pensa que mostrou o dedo. Está enganado. Fui eu quem assumi a iniciativa. Independente da vontade dele, adiantei-me, elevei-me, posei para os fotógrafos. Foi o meu momento de glória. Mostrei quem está por cima. Coloquei os subdesenvolvidos no seu devido lugar. "Up yours", eu disse, e esta é uma linguagem que todo o mundo entende, que tem de entender se quiser viver no meu mundo. Curvem-se diante de mim, dedos. Eu sou o maioral, eu sou o chefe, eu sou o rei de vocês, eu sou o Rei dos Dedos, eu sou o Rei do Mundo.
Moacyr Scliar escreve um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
Artigo: O Rei dos Dedos
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Colunista da Folha de S.Paulo
Comandante da American Airlines, ao ser fichado no aeroporto de São Paulo, posou com o dedo médio em riste. "É um gesto internacionalmente obsceno", afirmou o delegado Francisco Baltazar da Silva.
Cotidiano, 15.jan.2004
Sim, nós pertencemos todos à mesma mão, ao mesmo corpo. Sim, nós temos basicamente a mesma função, nós cinco. Sim, nós somos todos iguais. Mas alguns, é preciso dizer, são mais iguais. Alguém precisa se destacar, alguém precisa se impor, alguém precisa mandar, alguém precisa dizer ao resto da corja como proceder. E agora ficou claro a quem deve caber esse papel, esse posto, esse título.
Você, Polegar, não podia ter essa aspiração. Para começar você é pequeno, tão pequeno que até deu o nome para aquele personagem de uma história infantil, o Pequeno Polegar. Além de pequeno, você é humilde. Você é sempre o escolhido para dar a impressão digital. Se um analfabeto precisa assinar um documento, passam um pouco de tinta em você e fazem com que você cumpra esse desagradável serviço. Ou seja, sua existência se traduz nisso, em uma impressão.
Você, Mindinho, é pior ainda. O Polegar é ao menos grosso; você é fininho, delicado. No passado você servia para indicar aristocracia; aquelas pessoas elegantes que tomavam chá com você elevado no ar, lembra? Isso passou, nem essa função você tem mais. Você é completamente inútil, Mindinho. Inútil e fraco. Você não serve para o nosso mundo.
Você, Anular, é o símbolo da submissão. Como seu nome diz, você serve para portar o anel. Você mostra que um homem, ou uma mulher, são casados. Com isso, você tolhe a liberdade deles, você impede que possam viver grandes e excitantes aventuras. Você é um moralista retrógrado, Anular. Pior, você está com os dias contados, em primeiro lugar porque muita gente não casa mais, e em segundo, porque ninguém mais quer usar aliança.
A você, Indicador, devo certo respeito. Reconheço que você seria o único a postular alguma liderança. Porque você tem uma função importante: você aponta, você indica, você acusa. Em muitas circunstâncias você é conhecido como Dedo-Duro e isso, para mim, é uma distinção. Você é temido, Indicador, e no nosso mundo só sobrevive quem é temido.
Mas você, Indicador, não pode pretender estar à minha altura. Nem você, nem os outros. Para começar, estou numa posição privilegiada, sou o dedo central. E sou o maior dedo. Se alguma dúvida ainda existia em torno da minha liderança, ficou definitivamente afastada neste caso do piloto americano. Esse homem pensa que mostrou o dedo. Está enganado. Fui eu quem assumi a iniciativa. Independente da vontade dele, adiantei-me, elevei-me, posei para os fotógrafos. Foi o meu momento de glória. Mostrei quem está por cima. Coloquei os subdesenvolvidos no seu devido lugar. "Up yours", eu disse, e esta é uma linguagem que todo o mundo entende, que tem de entender se quiser viver no meu mundo. Curvem-se diante de mim, dedos. Eu sou o maioral, eu sou o chefe, eu sou o rei de vocês, eu sou o Rei dos Dedos, eu sou o Rei do Mundo.
Moacyr Scliar escreve um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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