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06/03/2004
-
03h57
DANUZA LEÃO
colunista da Folha
Jorginho Guinle nunca soube o valor do dinheiro: ele só sabia gastar. Dois dias depois de ter passado a noite com a deslumbrante atriz Hedy Lamarr, considerada então a mulher mais bonita de Hollywood, recebeu dela uma cartinha dizendo que gostaria muito de ter, como recordação dos maravilhosos momentos que passaram juntos, um desenho de Picasso à venda numa determinada galeria.
O preço era US$ 70 mil -- isso nos anos 40 --, e ele achou tão normal que pediu o dinheiro emprestado a um primo para poder comprar. Esse primo não emprestou, disse que ele estava louco, e Jorginho então mandou uma cartinha de volta dizendo que não havia comprado porque ela valia muito mais que isso.
Durante muitos e muitos anos sua vida foi dedicada a frequentar todas as festas no Rio, Hollywood, Nova York, Paris, e a conquistar todas as mulheres que pudesse. Sua preferência eram as atrizes de cinema, mas sua primeira mulher, Dolores, talvez tenha sido a mais bonita de todas elas. Bonita, não: deslumbrante -- e altíssima.
Baixinho, Jorginho não estava nem aí: usava uns sapatos feitos especialmente para ele, que tinha um salto interno com o qual ele ganhava uns 8 centímetros. Continuava mais baixo do que suas namoradas, mas um pouquinho menos.
Jorginho era um profundo conhecedor de música americana; sua coleção de discos era famosa, e quando ia a Nova York, dividia seu tempo entre as festas e os clubes de jazz. Além disso, estudava filosofia, mas não contava isso para quase ninguém. Era uma ótima companhia: leve, bem educadíssimo e sempre muito bem humorado.
Mesmo depois que perdeu tudo --e foi tudo mes-mo, não sobrou absolutamente nada-- ele mudou. Nunca se queixou da vida com ninguém, e nunca deve ter entendido direito essa coisa estranha que é o dinheiro um dia acabar.
Esqueceram de ensinar a ele que isso às vezes acontece.
Nos últimos anos ele mudou de casa algumas vezes: morou com uma filha, com uma amiga, e corria o boato que um seu velho amigo lhe dava uma pequena mesada para seus também pequenos gastos. Alguns bons restaurantes da cidade não cobravam suas contas, em nome dos velhos tempos, e por isso Jorginho, sempre elegante, só os frequentava sozinho e muito raramente.
Nos seus 88 anos de vida Jorginho nunca trabalhou um dia sequer; ele nem imaginava o que era isso. Mas que ninguém ouse pensar que a falta de dinheiro em algum momento modificou o velho playboy no que ele levava mais a sério: a conquista das mulheres. Sempre com um risinho maroto, uma conversinha mole, quando elas viam, já era.
Em relação a elas, ele só tinha uma exigência: que fossem muito bonitas. Estou pensando e não lembro de ter visto, jamais, Jorginho acompanhado de uma mulher feia --ou baixa.
Ele foi o último de um tempo que se acabou para sempre e morreu onde passou grande parte de sua vida: no Copacabana Palace, que, aliás, pertenceu a seu tio Octavio Guinle.
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colunista da Folha
Jorginho Guinle nunca soube o valor do dinheiro: ele só sabia gastar. Dois dias depois de ter passado a noite com a deslumbrante atriz Hedy Lamarr, considerada então a mulher mais bonita de Hollywood, recebeu dela uma cartinha dizendo que gostaria muito de ter, como recordação dos maravilhosos momentos que passaram juntos, um desenho de Picasso à venda numa determinada galeria.
O preço era US$ 70 mil -- isso nos anos 40 --, e ele achou tão normal que pediu o dinheiro emprestado a um primo para poder comprar. Esse primo não emprestou, disse que ele estava louco, e Jorginho então mandou uma cartinha de volta dizendo que não havia comprado porque ela valia muito mais que isso.
Durante muitos e muitos anos sua vida foi dedicada a frequentar todas as festas no Rio, Hollywood, Nova York, Paris, e a conquistar todas as mulheres que pudesse. Sua preferência eram as atrizes de cinema, mas sua primeira mulher, Dolores, talvez tenha sido a mais bonita de todas elas. Bonita, não: deslumbrante -- e altíssima.
Baixinho, Jorginho não estava nem aí: usava uns sapatos feitos especialmente para ele, que tinha um salto interno com o qual ele ganhava uns 8 centímetros. Continuava mais baixo do que suas namoradas, mas um pouquinho menos.
Jorginho era um profundo conhecedor de música americana; sua coleção de discos era famosa, e quando ia a Nova York, dividia seu tempo entre as festas e os clubes de jazz. Além disso, estudava filosofia, mas não contava isso para quase ninguém. Era uma ótima companhia: leve, bem educadíssimo e sempre muito bem humorado.
Mesmo depois que perdeu tudo --e foi tudo mes-mo, não sobrou absolutamente nada-- ele mudou. Nunca se queixou da vida com ninguém, e nunca deve ter entendido direito essa coisa estranha que é o dinheiro um dia acabar.
Esqueceram de ensinar a ele que isso às vezes acontece.
Nos últimos anos ele mudou de casa algumas vezes: morou com uma filha, com uma amiga, e corria o boato que um seu velho amigo lhe dava uma pequena mesada para seus também pequenos gastos. Alguns bons restaurantes da cidade não cobravam suas contas, em nome dos velhos tempos, e por isso Jorginho, sempre elegante, só os frequentava sozinho e muito raramente.
Nos seus 88 anos de vida Jorginho nunca trabalhou um dia sequer; ele nem imaginava o que era isso. Mas que ninguém ouse pensar que a falta de dinheiro em algum momento modificou o velho playboy no que ele levava mais a sério: a conquista das mulheres. Sempre com um risinho maroto, uma conversinha mole, quando elas viam, já era.
Em relação a elas, ele só tinha uma exigência: que fossem muito bonitas. Estou pensando e não lembro de ter visto, jamais, Jorginho acompanhado de uma mulher feia --ou baixa.
Ele foi o último de um tempo que se acabou para sempre e morreu onde passou grande parte de sua vida: no Copacabana Palace, que, aliás, pertenceu a seu tio Octavio Guinle.
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