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07/03/2004 - 07h22

Empresa vigia funcionário que usa droga

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CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo

No vácuo da legislação trabalhista, pelo menos 300 empresas brasileiras realizam testes toxicológicos no ambiente de trabalho. Em geral, eles são feitos no processo de admissão ou por sorteio aleatório entre os empregados.

A Embraer (indústria aérea), a Esso do Brasil (petrolífera), a Caterpillar (metalurgia) e a Transportadora Americana são algumas das companhias que adotam os testes em seus programas de prevenção ao uso de drogas.

Dois laboratórios de São Paulo --o da USP e o Maxilab-- concentram a maioria das avaliações feitas no país. O laboratório de análises toxicológicas da USP fez nos últimos três anos 10.130 testes com material colhido (urina e cabelo) de funcionários de 227 empresas brasileiras, a maioria do setor de transporte rodoviário.

O Maxilab, laboratório privado dirigido por dois professores da USP, atende grandes firmas e analisou no mesmo período 37 mil amostras recolhidas em 73 clientes. As empresas são responsáveis pela coleta de material, feita com kits enviados pelos laboratórios, que custam cerca de R$ 75 cada.

Dessas 47.130 amostras, houve em média 2% de casos positivos (943). Nas análises da USP, 54% consumiram maconha e 31%, cocaína. Anfetaminas e metanfetaminas respondem pelos 14,99% restantes dos casos positivos.

No Maxilab, a maconha também é líder (55,5%), mas as anfetaminas são mais freqüentes (27%) que a cocaína (17,5%) nos testes que apontam consumo.

Os exames toxicológicos são polêmicos tanto do ponto de vista jurídico como do médico. Advogados entendem que, na falta de lei trabalhista que proíba a prática desses exames, prevalecem os princípios de legalidade e direito do indivíduo à intimidade, à vida privada e à imagem, previstos na Constituição Federal. Ou seja, o empregado faz o teste se quiser.

"Agindo dentro da legalidade, ou seja, deixando a decisão a critério do funcionário e mantendo o resultado em sigilo, não há problemas", afirma Marcelo Pereira Gômara, advogado do grupo Tozzini Freire e Teixeira e Silva, que já elaborou ao menos 20 pareceres sobre o assunto a empresas.

Para a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), porém, os testes geram constrangimento e, devido à fragilidade dos contratos de trabalho e aos altos índices de desemprego no país [11,7% em janeiro, segundo o IBGE], os trabalhadores se sentem praticamente coagidos a fazê-lo.

"É um falso moralismo [a não-obrigação legal do trabalhador de fazer o exame]. Os testes exploram a necessidade que o trabalhador tem do emprego. Isso é espartano", diz Raimundo Cesar Brito, secretário-geral da OAB nacional.

Gilda Almeida de Souza, secretária nacional de Políticas Sociais da CUT (Central Única dos Trabalhadores), vai na mesma linha. "É claro que o trabalhador que se recusar a fazer o teste será de uma forma ou de outra punido. Pode até ser que utilizem outros mecanismos para mandá-lo embora, mas a não-aceitação pode sim ser motivo para demissão."

Já na área médica, o problema é outro. Pelo código de ética, os resultados dos testes são sigilosos e apenas o médico do paciente deveria ter acesso a eles.

Embora USP e Maxilab só aceitem amostras encaminhadas por médicos sem identificação do funcionário (o frasco com a urina vem apenas com um número), quando chegam às empresas, a informação é compartilhada com funcionários do RH, psicólogos e a chefia direta do funcionário.

"Isso quebra o sigilo médico. Vazar essas informações é uma infração ética séria. É a mesma coisa que não contratar uma pessoa por ela ser portadora do vírus HIV", afirma Antônio Gonçalves Pinheiro, conselheiro do CFM (Conselho Federal de Medicina).

Na opinião do médico toxicologista Ovandir Alves Silva, diretor científico do Maxilab e professor de pós-graduação da USP, não há razão para alarde. Ele afirma que, pelo menos entre as empresas clientes do laboratório, os testes são feitos apenas quando existem programas de prevenção ao uso de drogas já consolidados.

"O objetivo é de ajuda, de tratamento, não de punição. As empresas encaram o teste toxicológico como parte da responsabilidade social que têm com os seus funcionários. E os empregados entendem isso", afirma Silva.

Não há estatísticas no Brasil que relacionem acidentes de trabalho à dependência química. Nos EUA, estima-se que 65% desses acidentes estejam ligados ao uso de drogas ilícitas ou de álcool.

De acordo com o médico Ovandir Silva, um empregado sob influência de substâncias psicoativas está mais propenso a cometer danos à sua própria vida, à de terceiros e ao patrimônio da empresa em razão da falta de concentração, do prejuízo dos reflexos, da desatenção na utilização de equipamentos de segurança e da alteração do estado de humor.

Outra questão polêmica é sobre a metodologia das análises. Segundo Regina Lúcia de Moraes Moreau, do laboratório da USP, um resultado positivo revela apenas o contato do indivíduo com certa droga, mas não a quantidade consumida ou o lapso de tempo entre o consumo e a análise.

Algumas substâncias, como a cocaína, podem permanecer detectáveis no organismo por até oito dias. A maconha, dependendo da pureza da erva e da freqüência do uso, por até 28 dias, afirma o toxicologista Ovandir Silva.
 

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