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13/06/2004 - 06h39

25% dos jovens da elite bebem em excesso

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FERNANDA MENA
da Folha de S.Paulo

Cena um: pouco depois da meia-noite, Carol, 17, entorna o último gole da segunda dose de uísque da noite. Ela está na casa de um colega que assaltou o armário de bebidas do pai. Lá pelas 2h, Carol pára de contar os copos que passam por sua mão. "Fiquei louca", diz.

Cena dois: às 6h, Carol acorda com o celular tocando insistentemente. Ela ainda está no local da festa, e a mãe está à sua caça. "Perdi a noção do tempo", admite. Mas o pior está por vir: minutos depois de acordar, Carol recorda "em flashes", como gosta de dizer, que tinha transado sem camisinha com um garoto que havia conhecido naquela noite.

"Comecei a chorar na hora. Até hoje não sei dizer se transei sem camisinha porque a gente não tinha uma na hora ou se foi porque eu estava tão bêbada que nem lembrei que isso existia."

Com pai empresário e mãe médica, Carol é a típica adolescente de elite. Mora em um apartamento de quatro dormitórios num bairro de classe média alta da zona oeste de São Paulo. Estuda em uma escola particular de renome, na qual já teve aulas de orientação sexual e de prevenção à Aids.

Recebe mesada gorda, veste roupas da moda e sai à noite, em média, duas vezes por semana. Em suas andanças noturnas, bebe cerca de seis latas de cerveja. "Só que, depois daquela festa, nunca mais bebi tanto."

Sem contar o episódio aos pais, Carol fez um teste de HIV. "Está tudo certo. Tive muita sorte." Se fosse um caso de "azar", ela teria engrossado o número de jovens portadores de HIV. Até 2003, eles eram mais de 47 mil entre 13 a 24 anos. Quase a metade deles contraiu o vírus por via sexual.

Que adolescente bebe todo mundo sabe. Que transa sem camisinha parece surpreendente para os pais, que, confiantes na difusão de informações sobre drogas e Aids, são os últimos a saber o que seus filhotes aprontam longe da vigília familiar. Acontece que histórias como a de Carol não são tão raras quanto se imagina.

É isso o que indica uma pesquisa inédita do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

São dois os dados mais surpreendentes do levantamento, realizado com jovens de 14 a 19 anos de escolas particulares voltadas para as classes A e B de São Paulo, Brasília e Campinas. O primeiro é que um quarto dos adolescentes mantém um consumo de álcool considerado de risco pela Organização Mundial da Saúde.

"Bebem de maneira considerada arriscada para adultos, imagine para jovens", avalia o psiquiatra Dartiu Xavier, autor do estudo e coordenador do Proad. "É um consumo que promove danos sérios e irreversíveis à saúde, como a destruição de neurônios e do fígado." O segundo dado é que, entre aqueles que têm vida sexual ativa (cerca de 70%), só 30% faz uso sistemático de camisinha.

Entre um dado e outro, há um agravante: os adolescentes que bebem com alguma regularidade (65% deles) tiveram uma média de quatro parceiros sexuais diferentes nos seis meses que antecederam a pesquisa. Alguns tiveram até oito parceiros no período.

"Não sei o que assusta mais: o consumo de álcool ou o comportamento sexual de risco", afirma Xavier. "Os dados revelam que o aumento do número de parceiros e de relações sexuais está diretamente relacionado à quantidade de álcool consumida. Se isso é proporcional, esses adolescentes estão menos criteriosos quanto à escolha do parceiro."

"Para esses jovens de classe A e B, essa talvez seja uma maneira de dizer que, apesar do casulo de hiperproteção mantido pelos pais, eles vivem algumas coisas de verdade e assumem riscos", avalia o psicanalista e colunista da Folha Contardo Calligaris.

Os amigos Marcela, 17, Tiago, 16, e Luíza, 17, tratam do tema com naturalidade. Eles admitem beber duas ou mais vezes por semana e já ter feito sexo sem proteção após consumir doses exageradas de álcool. "Acho que o álcool faz a gente querer correr mais riscos. Quando estamos bêbados, perdemos a percepção do perigo", diz Luíza.

Pesquisa

O estudo --também dos pesquisadores Otávio Castello, Evelyn Doering e Thiago Fidalgo-- utilizou o método de amostragem aleatória. Foram sorteadas 12 escolas de classe A e B de São Paulo, Brasília e Campinas e 300 alunos de 14 a 19 anos.

O questionário aplicado foi padrão da OMS, que traz "pegadinhas" para detectar mentirosos --60 alunos foram excluídos.

Foram adotados nomes fictícios para os adolescentes em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

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