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01/08/2004 - 07h13

Brasileiro é adotado e abandonado nos EUA

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FERNANDA FERNANDES
da Folha de S.Paulo

Fabiano do Carmo Oliveira, 29, é brasileiro, mas voltou ao país onde nasceu há apenas oito meses, depois de viver por 18 anos nos Estados Unidos. Em novembro do ano passado, ele foi pego pela polícia norte-americana usando drogas. Como já havia cometido outros crimes, foi deportado, apesar de ser filho adotivo de uma família norte-americana.

Hoje, Oliveira é abrigado por uma ONG que tem sede no Brás (zona central de São Paulo), não fala português, não tem emprego e tentou morar com seu irmão biológico, mas não se adaptou.

Carrega na mochila várias fotos do filho de cinco anos e espera poder reencontrá-lo um dia.

Quando tinham nove anos, ele e sua irmã gêmea viviam em um orfanato em São Paulo e foram adotados por um casal de norte-americanos. Ele conta que as pessoas do orfanato em que vivia no Brasil diziam: "A América é tudo".

Na verdade, a família queria adotar apenas a menina, mas a Justiça brasileira só permitiu a adoção dos irmãos juntos.

Por "problemas de adaptação", Oliveira não ficou com o casal que o adotara. Em vez disso, viveu em instituições e com mais duas famílias até ser definitivamente adotado aos 14 anos.

Nessa família, o brasileiro conviveu com mais três irmãos --também adotados. Ele estudou e conseguiu se formar no ensino médio norte-americano.

Em 1996, Oliveira se envolveu numa briga por ciúmes de uma ex-namorada --a mãe de seu filho-- e acabou sendo preso.

Quando saiu da prisão, tentou voltar a viver na casa dos pais, do irmão adotivo e da irmã gêmea. Em todas as tentativas, no entanto, a convivência tornou-se difícil, segundo ele contou.

Depois disso, o brasileiro mudou-se do Estado de Minnesota para a Califórnia, onde foi preso e enviado de volta para o Brasil.

Desenraizado

Segundo a assistente social da ONG Arsenal da Esperança --entidade que acolheu Oliveira-- Maria Isabel Del Pozo, falta um apoio psicológico para ele tentar reestruturar a vida aqui no país.

"Isso que foi feito com ele é muito perverso. O Estado devolve as pessoas num estado de confusão cultural", afirmou Del Pozo.

Oliveira disse que está tentando aprender o português e entender como o Brasil funciona. "Sou brasileiro, nasci no Brasil, mas também sou norte-americano. Foram 18 anos da minha vida."

Ele tem dificuldade em compreender como tudo isso aconteceu. "Eu sou filho adotivo de uma família norte-americana, não tem lógica eu não ficar nos Estados Unidos. Eu não entendo", disse.

Uma fonte diplomática acha muito difícil Oliveira voltar para os Estados Unidos, e o governo brasileiro não pode, nesse caso, interferir na soberania do Estado norte-americano.

A história, porém, não é única. A ONG que acolhe Oliveira recebeu, desde 2000, outras três pessoas na mesma situação, duas vindas da Itália e uma dos EUA. O caso mais conhecido foi o de João Herbert, que havia sido adotado por norte-americanos aos sete anos, foi deportado em 2000 por tentar vender maconha a um policial disfarçado e, depois de quatro anos no Brasil, foi assassinado, em Campinas, em junho, aos 26.

Antes e depois de Haia

Até 1993, não havia nada que regulasse a adoção internacional de crianças e adolescentes. Com a Convenção de Haia sobre Adoções entre Países, a situação jurídica dos adotados por estrangeiros se tornou mais segura.

Antes se aplicava apenas a lei do país onde o adotado ia viver. A Convenção de Haia prevê regras comuns de adoção entre os países que a ratificaram. Ela passou a ser válida no Brasil a partir de 1999.

Atualmente 40 países utilizam essa lei como base para a adoção internacional.

Pela convenção, toda criança ou adolescente adotado por um estrangeiro terá, automaticamente, a nacionalidade do pai ou mãe adotante. O brasileiro adotado por um estrangeiro não perde, porém, a nacionalidade brasileira.

Segundo o juiz Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, secretário da Cejai (Comissão Judiciária de Adoção Internacional-responsável pela habilitação dos casais estrangeiros), a convenção representa um avanço na proteção internacional dos direitos humanos das crianças e adolescentes.

Além disso, ele lembra que, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção por família estrangeira é a última opção e, quando realizada, prevê um período de adaptação de até 30 dias entre o casal e a pessoa adotada.

Gabriela Scheiner, diretora-executiva do CeCif, entidade que prepara casais para a adoção, afirma que, apesar das conquistas, é necessário ter cuidado.

"Quando as pessoas dizem que é maravilhosa a adoção internacional, é preciso ver o que se diz nas entrelinhas. Precisamos parar com esse neocolonialismo e construir possibilidades reais para as famílias brasileiras", disse.

As leis norte-americanas

Motauri Ciochetti de Souza, promotor da Vara da Infância e da Juventude do Ministério Público de São Paulo, afirma que antes da Convenção de Haia havia limitações aos adotados.

"Alguns países davam a condição de cidadãos, mas até completarem a maioridade ou se não cometessem delitos. Criavam limites à plenitude da adoção, que acabaram gerando essas situações que vemos hoje", disse.

Os Estados Unidos, apesar de terem assinado a convenção, não a ratificaram. Dessa forma, ela não produz efeitos jurídicos dentro do país.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, há duas situações possíveis naquele país para os estrangeiros adotados por casais norte-americanos.

Duas leis se combinam para interpretar casos como o de Oliveira. A primeira, válida até fevereiro de 2001, estabelecia que os pais deveriam pedir a naturalização do adotado até ele completar 18 anos.

A segunda, de 1996, prevê que, se um estrangeiro legal residente no país cometer um crime e for condenado a pena igual ou superior a um ano, ao sair da prisão, ele terá seu visto de permanência cancelado e será deportado para o seu país de origem.

Em 2001, entrou em vigor uma terceira lei que concede automaticamente a nacionalidade a crianças estrangeiras adotadas por pais norte-americanos. Essa lei é válida também para aqueles que foram adotados antes de 2001, mas que ainda não completaram 18 anos. Para quem é maior de 18 não há essa possibilidade.

"Um dado expressivo é que nos Estados Unidos estão as maiores associações defensoras dos direitos humanos que vivem nos acusando. É uma incoerência absurda", completa Ciochetti de Souza.

A Folha procurou o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, mas até a conclusão desta edição não havia recebido retorno.
 

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