A
insanidade está tomando conta do mundo
Cristina
Veiga
Equipe
GD
A insanidade
parece ter saído de Washington e de Nova York e se
instalado em algumas das grandes cidades brasileiras. Depois
dos atentados terroristas contra os Estados Unidos, alguns
estudantes do Rio e de São Paulo resolveram manifestar
seu inconformismo com o poderio norte-americano da forma mais
absurda: apoiando publicamente o islã. Ou eles serão
desprezados pela história ou entrarão para o
capítulo dos ridiculamente corretos.
Não
é por que uma loucura completa foi cometida por terroristas
que outras imbecilidades terão que acontecer do lado
debaixo do Equador. Sair pelas ruas apoiando o terrorista
Osama bin Laden, o principal suspeito de arquitetar e financiar
o plano que levou milhares de pessoas à morte, não
parece razoável. Os estudantes secundaristas cariocas,
que fizeram uma passeata portando cartazes com a foto do terrorista
e os dizeres "Ele é inocente", confundiram
a guerra religiosa do Talibã com o domínio que
os EUA exercem sobre o resto do mundo.
Não
é possível transformar um bin Laden em herói
anti-americano. Nem tampouco confundir a guerrinha santa do
milionário saudita com a luta ideológica de
um Che Guevara como fez a Torcida Jovem do Flamengo. A loucura
também tomou conta de parte da maior universidade do
país: a Universidade de São Paulo. Folhetos
vêm sendo distribuídos na USP com o poema "Elegia
- 1938", de Carlos Drummond de Andrade. "Aceitas
a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan",
dizia o poeta.
No momento
em que até mesmo os palestinos prestam solidariedade
ao povo norte-americano, fica meio ridículo uns poucos
brasileiros elegerem o islã como herói. Assim
como é uma total estupidez os norte-americanos generalizarem
seu ódio contra os árabes. Um brasileiro que
tenha 'Abu" no sobrenome - como ocorreu com o correspondente
da Folha de S. Paulo em Washington - não pode ser discriminado
por uma cidadã dos EUA.
Leia
mais
- Da arquibancada,
o apoio ao islã (link para o texto abaixo)
- O mar não está para peixes
árabes (link para o texto abaixo)
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Da
arquibancada, o apoio ao islã
Na lista
de ídolos da Torcida Jovem do Flamengo, alguns nunca
jogaram uma peladinha. Outros preferem jogos de guerra. Ainda
assim, o ditador iraquiano Saddam Hussein, uma incômoda
pedra islâmica no sapato do Tio Sam, mora no coração
da Jovem. Ele e qualquer outro que ouse enfrentar o poder
dos Estados Unidos, como o milionário saudita Osama
bin Laden, suspeito de ser o mentor do atentado contra Nova
Iorque e Washington. Domingo passado, enquanto o Flamengo
empatava com o Sport no Maracanã, o rosto de Saddam
tremulava impávido numa bandeira nas arquibancadas.
Por enquanto, o de Bin Laden não estará a seu
lado. Mas os torcedores não deixam de enxergar uma
ponta de razão no terrorista.
''Quando
homenageamos Saddam pela primeira vez, houve uma certa repressão.
Disseram que estávamos fazendo apologia a um assassino'',
reclama José Carlos Peruano, militante da Jovem há
25 anos e hoje diretor da Associação de Torcidas
do Flamengo. ''E quantas crianças o imperialismo americano
matou?'', pergunta, antes de relativizar o papel de Bin Laden.
''Dizem que ele é um assassino, como o Saddam. E quem
matou milhares de japoneses com uma bomba atômica, é
o quê? O grande criminoso é o Tio Sam'', brada
Peruano.
A Jovem,
por sinal, gostou de ver o orgulho americano ferido de morte
com a destruição do Pentágono e do World
Trade Center. Paradoxalmente, lamenta as milhares de mortes
nos Estados Unidos. ''Ali morreram inocentes. Isso não
vale.'' Para torcedores como Peruano, a lógica é
simples: ''apoiamos o Saddam Hussein porque ele luta contra
o Império do Mal. É como Robin Hood, o fraco
contra o grande''.
Peruano
enxerga em Hussein a mesma veia revolucionária do cubano
Fidel Castro e do argentino Che Guevara (este assassinado
''pela CIA'' em 1967), dois grandes emblemas antiamericanos
no mundo. Nessa relação, cabe espaço
também para o falecido aiatolá Khomeini, do
Irã, inimigo histórico dos americanos.
Foi a
morte, aliás, de Khomeini, em junho de 1989, que iniciou
a aproximação da Jovem com a causa islâmica.
''Somos a favor de quem enfrenta os poderosos. A Jovem luta
contra o racismo, a desigualdade social. Somos contra a Alca
(Associação de Livre Comércio das Américas),
que os Estados Unidos querem impor à América
Latina. As pessoas costumam engolir isso; nós, não.
Como o aiatolá'', discursa.
Com a
morte de Khomeini, a Jovem resolveu homenageá-lo. Confeccionou
uma bandeira com o rosto do líder iraniano, e inventou
uma paródia para o canto ''A bênção,
João de Deus'', que a Young Flu tradicionalmente invoca
em momentos de aflição futebolística.
A letra ficou assim: ''A bênção, aiatolá/Nosso
povo te abraça/Tu vens em missão de guerra...''.
Outro hino, composto mais tarde, tinha igualmente conotação
belicista. ''Eu sou um guerrilheiro que sozinho mato mil/
Eu sou Torcida Jovem, a mais temida do Brasil/ Aiatolá
Khomeini!''. ''Mas não somos de briga. A Jovem tem
judeus e simpatizantes de palestinos torcendo lado a lado.
Dizem que somos marginais por causa dos que brigam nas arquibancadas.
As únicas brigas que apoiamos são as de países
pequenos, como Irã e Iraque, contra o gigante americano'',
apressa-se em esclarecer Peruano.
Apesar
de a Guerra do Golfo, entre Estados Unidos e Iraque, ter acontecido
em 1990, apenas em 1998 (quando uma crise quase deflagrou
outra guerra no Oriente Médio) a Jovem resolveu prestar
tributo a Saddam Hussein. Uma bandeira, de 5m x 5m, virou
atração por onde a Jovem passa. ''Em cada estádio
que vamos com a bandeira, o pessoal esquece o jogo e vem tirar
foto com o Saddam'', conta o vice-presidente social da Jovem,
Miltinho. Na sede da torcida, o culto ao ditador custa R$
15 (camiseta) ou R$ 1 (adesivo). A bandeira, preciosa, é
guardada a sete chaves ''em local secreto''. ''Na mão
dos inimigos ela é um troféu valioso'', explica
Miltinho.
A tricolor
Young Flu também ficou mobilizada com os atentados
a Nova Iorque e Washington. Mas desenvolveram uma teoria peculiar
para explicar a tragédia. Os próprios americanos
forjaram os atentados, para forçar o Congresso do país
a aprovar o bilionário e controverso programa de defesa
militar Guerra nas Estrelas. A tese ganhou até título:
''Não se faz uma omelete sem quebrar alguns ovos''.
''Os americanos têm o álibi perfeito, os vilões
estão à disposição no Oriente
Médio. Mas como é que pode acontecer um negócio
desses num país onde, com um quilo de feijão,
você é barrado na alfândega? Fica difícil
de acreditar'', diz o diretor de relações públicas
da Young, Fábio Pandora. A teoria conspiratória
tricolor será distribuída, sob a forma de 3
mil panfletos, neste sábado, antes do jogo contra a
Ponte Preta, no Maracanã.
(Jornal
do Brasil)
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O
mar não está para peixes árabes
Com meus dados pessoais expostos numa pequena tela, a moça
de minha agência do Bank of America, a quatro quarteirões
da Casa Branca, pergunta: "Você é palestino,
árabe ou o quê?"
Ressabiado,
questiono a razão da pergunta. "Só curiosidade.
É por causa desse nome, Abu qualquer coisa", ela
responde.
"É
Abujamra", expliquei a ela, sem alimentar sua curiosidade.
"É meu nome do meio. Herdei da minha mãe."
A bancária, uma negra de uns 30 anos com unhas enormes,
multicoloridas, mantinha a mesma cara fechada, estranha, de
sempre. Enquanto verificava o andamento de meu pedido por
um novo cartão, tentei me convencer de que seu mau
humor era orgânico, não conjuntural.
Decidi
melhorar o clima. Disse que sou brasileiro. Que venho do país
do samba, do futebol. Ela concluiu seu trabalho, me devolveu
a carteira de motorista e disse. "Eu sei, está
nos seus dados. Mas esse nome parece árabe."
Na verdade,
sou brasileiro e descendo de sírios e de libaneses.
Não falo árabe e nunca fui ao Oriente Médio.
Mas desisti da conversa. O mar nos EUA não está
para peixes, principalmente os árabes. Estou num dos
piores lugares para carregar hoje nomes como esse.
Fui embora
da agência. Dois quarteirões depois, senti vontade
de voltar. Fiquei inquieto, bravo. Num país obcecado
pela febre politicamente correta e por indenizações
milionárias, a moça não poderia ter feito
o que fez. Talvez não saiba que milhares de negros
norte-americanos são muçulmanos. O mundo não
é tão simples, não é maniqueísta.
Pensei
melhor e desisti. O tempo era curto. Engoli o orgulho e me
dirigi ao prédio que sedia redações de
jornais e revistas e escritórios de correspondentes.
Passei em frente à Casa Branca, andando pela avenida
Pensilvânia, reaberta ao público depois do caos
causado pelo atentado contra o Pentágono. Nada de turistas
onde japoneses, europeus e árabes tiravam fotos.
A imagem
dos aviões batendo nas torres do World Trade Center
voltou à minha mente. Os norte-americanos estão
com raiva, muita raiva, e querem retaliar. Não há
inimigos visíveis. Vai sobrar para quem carrega "Abu"
no nome.
Ontem,
uma multidão irada ameaçou depredar o "Bridgeview
Mosque Center", um instituto muçulmano em Chicago.
Um grupo de jovens com cabeças raspadas quis responsabilizar
seus ocupantes pelos atentados de terça-feira. Relatos
de ameaças contra pessoas de origem árabe e
contra muçulmanos se multiplicam.
"Sejam
muçulmanos, árabes árabes, árabes
americanos ou árabes brasileiros, todos pagaremos",
disse-me quarta Jenny Salan, do Instituto Árabe-Americano,
em Washington, que fechou as portas ontem, depois de receber
50 telefonemas ameaçadores.
A situação
está cada vez mais difícil. Ontem, o ex-presidente
George Bush, pai do atual líder dos EUA, pediu aos
norte-americanos que resistam à tendência de
culpar árabes americanos e muçulmanos pelos
ataques da última terça-feira. "Nossa nação
deve ter em mente que há milhares de árabes
americanos morando em Nova York. Eles amam nossa bandeira.
Devemos tratar árabes americanos e muçulmanos
com o respeito que merecem."
Depois
de Pearl Harbor, norte-americanos montaram acampamentos para
confinar descendentes de japoneses na Califórnia. Outro
dia, soube que, à época, latino-americanos de
origem nipônica também foram confinados, por
terem olhos puxados.
(Folha
de S. Paulo)
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