HOME | NOTÍCIAS  | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS


REFLEXÃO


Envie seu comentário

 

folha de s. paulo
01/05/2005
Falta uma reivindicação óbvia no Dia do Trabalho

Dos alunos que se formaram nas Fatecs (Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo), mantidas pelo Centro Paula Souza, 89% estão empregados e ganham, em média, R$ 1.740 por mês.

Apesar desses resultados, levantados em pesquisa no ano passado, os cursos de tecnologia, voltados para o mercado de trabalho, ainda sofrem preconceito. São, entretanto, um dos caminhos óbvios para democratizar o ensino, qualificar os trabalhadores e, assim, estimular a produtividade da economia brasileira -o que se traduz em incentivo à geração de empregos e de melhores salários.

Persiste, porém, o que poderíamos chamar "mania de doutor", especial reverência ao diploma universitário. Temos, no Brasil, cerca de 3 milhões de alunos nas universidades e 60 mil estudantes nos programas para tecnólogos.
Estamos diante de mais uma daquelas obtusidades sociais brasileiras.

Os cursos para a formação de tecnólogos têm duração inferior (variam de dois a três anos) à dos das universidades. Ensinam especializações nas mais diversas áreas de gestão (saúde, logística, transporte, têxtil, meio ambiente) e engenharia (mecânica de precisão, informática, eletrônica, mecatrônica, navegação fluvial). A cada ano, essas instituições ampliam suas áreas de ensino.

A formação de um tecnólogo custa, em média, R$ 3.000 por ano; a de um estudante de universidade pública sai por R$ 8.000, já descontadas as despesas com pesquisa e hospitais universitários.

É menos difícil, como se vê, expandir os programas de nível superior focados no mercado de trabalho. Isso inclui os chamados cursos seqüenciais, de dois anos, que, ministrados em várias faculdades, abrangem as mais diversas áreas de atuação, como o desenvolvimento de videogames, culinária, moda e até a formação de juiz de futebol. Há, entretanto, uma diferença entre esses dois tipos de programa; os tecnólogos estão habilitados a cursar mestrado e doutorado.

O movimento por cotas é a expressão popular da convicção de que mais vagas nas universidades significam melhores empregos. Ocorre, porém, que, como mostrou o caderno especial da Folha na sexta-feira passada, as vagas nas faculdades mais concorridas são, em sua maioria, preenchidas por alunos de escolas privadas. Alunos de apenas 16 escolas da cidade de São Paulo abocanham 36% das vagas das faculdades mais cobiçadas da USP. Nesse seleto grupo, existem três escolas públicas, todas de ensino médio técnico, que exigem vestibulares duríssimos.

Goste-se ou não, a verdade é que as universidades em que existe pesquisa foram, são e sempre serão agrupamentos de elite.

Basta fazer as contas para ver que é matematicamente impossível a universalização do ensino superior. Tal universalização, aliás, não ocorre nem nos países mais ricos.

Nas homenagens ao trabalhador, como as de hoje, os líderes sindicais costumam esbravejar -e com razão- contra o desemprego, o subemprego, o baixo salário etc. Por ignorância ou vício corporativo, não se engajam em campanhas pela melhoria do ensino público.

Um dos sinais da indigência social brasileira é a desconexão entre as bandeiras trabalhistas e as educacionais. Isso apesar dos números contundentes. Em março deste ano, quem tinha mais de 11 anos de estudo ganhava, em média, R$ 1.382 mensais, segundo pesquisa divulgada na semana passada pelo IBGE. Entre aqueles que estudaram menos de um ano, a média baixa para R$ 361.

De 2002 até agora, apenas na faixa superior a 11 anos de estudo aumentou a taxa de ocupação no mercado de trabalho.

Traduzindo: maior escolaridade, melhores salários e mais empregos.

Apesar desses números, a agenda sindical não exibe preocupação com a qualificação do trabalhador em nível superior ou até em nível médio técnico.
Não vou aqui discordar da concessão de cotas nem concordar com ela, mas a expansão de cursos de curta duração, centrados no mercado de trabalho, é uma bandeira mais viável do que essa para a democratização do ensino superior.

PS - Uma boa notícia, interessante para quem gosta de experiências em educação: o coreógrafo Ivaldo Bertazzo e o maestro João Carlos Martins, ambos de renome nacional e internacional, ganharam na semana espaço fixo nos CEUs (Centros Educacionais Unificados) para detectar e desenvolver, na periferia de São Paulo, talentos na área da dança e da música clássica. Vale a pena ler a edição, divulgada na semana passada, do caderno Sinapse, da Folha, que mostra pesquisas sobre como o contato contínuo com a arte produz, entre os mais pobres, alunos mais atentos, criativos e com melhor desempenho escolar.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES
27/04/2005
Prisioneiro da luz
26/04/2005
Impostômetro no currículo escolar
25/04/2005
Judeus e japoneses são mais inteligentes?
20/04/2005
Cabeça-feita
17/04/2005
O Brasil está escrito em Grafite
13/04/2005
A volta triunfal do pau-brasil
12/04/2005
Escravo não é coisa de nordestino
11/04/2005
Não dê esmola. Dê futuro
06/04/2005
Escola para empresários