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REFLEXÃO


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urbanidade
02/08/2006
Rua do Rock

O desafio de transformar uma das vias mais degradadas da "cracolândia" por meio da música

Com seus meninos e meninas, maltrapilhos, consumindo pedras de crack em plena luz do dia, a rua do Triunfo era um dos principais cenários que projetaram a região da Luz, antes um dos pontos mais sofisticados da cidade, como "cracolândia" - a partir do próximo final de semana, surge ali a Rua do Rock, com apresentação de bandas ao ar livre. É a primeira experiência comunitária de Ronaldo Liberato.

Ronaldo é mineiro e sempre sobreviveu com a música. "Fiz de tudo." Tocou bateria e guitarra em bandas. "Não deu certo", admite. Saiu viajando pelo país ajudando grupos que iam da música sertaneja à eletrônica. "Num dia do mês eu estava com o Fábio Jr. e, no outro, com o Sepultura." Teve de aprender, por conta própria, a consertar e ajustar toda a aparelhagem, o que lhe conferiu um status de técnico em som. Virou gerente de discoteca e produtor de shows.

Seu prazer, porém, é o rock -um prazer facilitado por um detalhe geográfico. Seu escritório está localizado na avenida São João, próximo à Galeria do Rock, o templo paulistano dos roqueiros. Bem na frente da galeria, no largo do Paissandu, Ronaldo conheceu um projeto de outro admirador do rock -Cauê de Luca- que produzia shows ao ar livre. "É uma forma de ocupar o espaço com arte e, ao mesmo tempo, ocupar os jovens."

Aquele aprendizado serviu para inspirar-lhe uma idéia quando começaram a investir na "cracolândia", enfrentando o tráfico. Havia vários anos, aquele entorno já se prestava para a criação de espaços de arte, como a sala São Paulo, a Pinacoteca, a Estação Pinacoteca (ex-Deops), o ateliê Amarelo (residência para artistas plásticos), a Universidade de Música Tom Jobim e o Museu da Língua Portuguesa. "Isso acendeu a nossa imaginação."

Todas essas iniciativas culturais pareciam, porém, ilhas na "cracolândia", cercadas de selvageria -e a rua do Triunfo era um cartão-postal da degradação da região.

Já existia, na rua do Triunfo, uma atividade musical que a convertia, uma vez por mês, em rua do samba, sempre atraindo muita gente. A prefeitura decidiu, então, diversificar. Cada semana, o local será fechado para um tipo de música -um dia será apenas para o choro, por exemplo.

"Vi ali a minha chance de fazer meu projeto com o rock." Emplacou. Vai colocar ali, além das bandas, DJs; grafiteiros vão fazer intervenções, e haverá espaço para skatistas. Só o que ele não sabe ainda é como vai patrocinar a experiência. "Por enquanto, todos estão ajudando e tocando de graça." Aposta que, mais cedo ou mais tarde, alguém vai se interessar em manter o projeto para sempre, afinal há todo um plano para a "cracolândia" de desapropriação e estímulo a atividades educacionais vinculadas à arte.

O maior desafio não é o patrocínio, mas reverter aquele sombrio trecho do bairro com a música -e, quem sabe, entusiasmar as crianças e jovens do local. "É pedra contra pedra", brinca Ronaldo Liberato -rock, em inglês, significa pedra.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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