Pela
precisão das estatísticas, esse é um
daqueles marcos capazes de orientar uma série de políticas
públicas
Será divulgada na próxima quarta-feira a primeira
pesquisa mostrando o impacto, no Brasil, da melhoria da escolaridade
na redução da violência. Pela precisão
das estatísticas, esse é um daqueles marcos
capazes de orientar, por todo o país, uma série
de políticas públicas.
Desde 1999 cai a taxa de homicídios de jovens em toda
a cidade de São Paulo, mas com especial velocidade
nos bairros mais pobres. Daí se entende, em parte,
por que, no município, a queda geral do número
de assassinatos se aproxima dos 70%.
A socióloga Felícia Madeira, responsável
pela Fundação Seade, analisou as tendências
daquelas regiões. Logo percebeu que, acompanhando a
redução da taxa de mortes na juventude, caía
também a incidência de gravidez precoce.
Garimpando os dados, apareceu, nitidamente, um fator comum:
o aumento veloz de matrículas no ensino médio.
"Maior escolaridade se traduz em menos assassinatos e
gravidez de adolescentes", afirma.
O aumento do número de matrículas não
é, obviamente, o único fator para explicar as
vidas salvas. Mas seria um fator mais importante do que se
imaginava, segundo a pesquisadora. Abre-se, aqui, um fértil
debate -a começar pelo fato de que menos gravidez precoce
significa menos crianças com risco de marginalidade.
Os resultados da pesquisa sugerem que determinados projetos,
em discussão ou ainda engatinhando, teriam o efeito
colateral de prevenir a barbárie. Exemplos: levar o
Bolsa Família até estudantes de 18 anos; criar
uma poupança em todo o país para os concludentes
do ensino médio (projeto aplicado em Minas Gerais,
iniciado em Brasília) e disseminar as escolas técnicas
a partir das vocações locais.
Na próxima semana, o Ministério da Educação
vai anunciar, no Rio, o compromisso de difundir e apoiar modelos
de educação em tempo integral. O anúncio
está previsto para ocorrer em Nova Iguaçu, onde
se ampliou a jornada escolar com baixo custo, com o cruzamento
de programas de esporte, informática, cultura e assistência
social -localizada na Baixada Fluminense, a cidade é
conhecida por seus extermínios.
A julgar pelas descobertas da Fundação Seade,
tais programas atiram no que eles vêem, mas acertariam
também no que não vêem. Arquitetados para
mexer nas notas, acabariam atingindo as estatísticas
de assassinatos.
A única medida do plano nacional de educação
capaz de gerar efeito rápido no desempenho dos alunos
é a ampliação do Programa de Saúde
da Família até as redes de ensino. Quem quiser
testar a eficácia disso acompanhe a experiência
que se inicia na cidade de São Paulo.
Consultórios móveis, carregando equipes de pediatras,
começam a percorrer escolas municipais. Por questões
de saúde, boa parte dos alunos -cerca de 30%, segundo
diversas pesquisas médicas- tem problemas de aprendizado,
muitos deles simples de serem resolvidos. Falta de óculos,
por exemplo.
O custo previsto para fazer as visitas (R$ 3 milhões)
em toda a rede é ridículo. Ridículo especialmente
se comparado com o tamanho do drama de crianças serem
chamadas de burras ou preguiçosas porque não
se detectou que elas não enxergavam direito. Ou porque
dormiam em sala de aula devido a uma rinite alérgica.
Esse é um poderoso fator, quase totalmente descuidado,
na produção de alunos ruins ou marginais.
Ficar mais tempo estudando significaria apostar no futuro
e aprender regras de convivência; é nessa faixa
etária, afinal, que o indivíduo está
entrando na delinqüência. Uma adolescente interessada
na sua profissão tenderia a refletir antes de ter um
filho fora do tempo.
A região do Jardim Ângela, na zona sul de São
Paulo, deixou a condição de campeã mundial
da violência justamente pela conjugação
de ações que produziram perspectivas de vida.
Vemos esse mesmo tipo de efeito no morro do Cavalão,
em Niterói, que, agora, completa quatro anos sem tiroteios.
Como no Jardim Ângela, combinaram-se policiamento comunitário
e educação.
O resumo da descoberta da Fundação Seade é
o seguinte: se quisermos mesmo reduzir a violência,
o país terá de fazer o jovem ficar mais velho
na escola do que chegar mais novo à prisão.
Já se conhece a receita da escola da vida, basta aplicá-la.
PS - Tenho mostrado nesta coluna exemplos, nas mais diversas
áreas, de projetos bem-sucedidos que driblam a falta
de dinheiro com talento gerencial. Um deles é o morro
do Cavalão, cujo relato coloquei no site.
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
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