Pela
primeira vez, a sociedade cria metas de ensino, para cobrar
mais e melhores ações de governo
Depois da decretação do estado de calamidade,
o governo federal assumiu quatro hospitais geridos pela prefeitura
do Rio -desde a semana passada, se transformaram num laboratório
contra a incompetência burocrática. Foram chamados,
entre outros, os hospitais Albert Einstein, HCor, Samaritano
e Sírio-Libanês, todos exemplos de excelência,
para ajudar na gestão daqueles hospitais do Rio, cujos
descalabros acabaram nas manchetes de jornais.
A decisão é reflexo dos resultados dos hospitais
e centros de saúde públicos, administrados por
organizações sociais, que melhoraram a qualidade
e o número de atendimentos sem aumento do custo. Mesmo
assim, são alvo de pressões sindicais, ataques
de políticos, a maioria deles ligados ou em torno do
PT, muitas vezes apoiados por promotores.
Quando um governo comandado pelo PT, influenciado pelo sindicalismo
público, chama a iniciativa privada para ajudar na
gestão do serviço de saúde é sinal
de que algo está mudando em todo o país -e o
que está mudando é a crescente percepção
de que o corporativismo pode proteger uma categoria, mas prejudica
os pobres.
Na semana passada, o sindicato dos professores de São
Paulo tentou uma greve contra, entre outros pontos, a obrigação
de os aprovados em concurso fazerem um curso antes de entrar
na sala de aula e o exame periódico dos docentes temporários.
O sindicato conseguiu, neste ano, com um recurso na Justiça,
que mesmo os professores que tiraram zero numa prova continuassem
dando aula. Em seu histórico, estão a defesa
do absenteísmo e o ataque ao bônus por mérito.
Com apoio de alunos, professores entraram em greve na USP:
além das reivindicações salariais, pede-se
o fim da implantação dos cursos a distância,
numa demonstração de fobia à tecnologia,
teoricamente inaceitável num ambiente universitário.
Sem contar aqui o elitismo.
A tentativa de greve do sindicato dos professores das escolas
estaduais foi um fracasso -talvez pela percepção
de que seria um desgaste diante da opinião pública.
É óbvio que quanto mais formação
e mais exigências aos professores, além de mais
vagas nas universidades, melhor para os mais pobres.
Mas, em geral, as pessoas costumam imaginar que, onde está
o sindicato ou partidos de esquerda, está a luta contra
a desigualdade e a injustiça. Não é o
que acontece quando a conquista de categorias ocorre em prejuízo
das camadas mais vulneráveis da população.
Pode parecer estranho à primeira vista, mas, em muitos
casos, lideranças empresariais estão à
esquerda das sindicais. Uma pesquisa sobre a visão
da elite da América Latina realizada pelo Núcleo
de Pesquisas em Relações Internacionais da USP,
divulgada pelo jornal "Valor Econômico", mostrou
que, entre os entrevistados brasileiros, 54% acham que a grande
tarefa de um governo é cuidar da educação.
Nesse quesito, nossa elite superou, com folga, as elites de
Chile, México, Argentina, Bolívia e Venezuela.
Está virando um caso de estudo em Harvard, o movimento
de lideranças empresariais batizado de "Todos
pela Educação". Pela primeira vez, a sociedade
cria metas de ensino, para cobrar mais e melhores ações
de governo. O motivo desse movimento é a convicção
mostrada num artigo, na semana passada, na revista "The
Economist" -a baixa educação dificulta
o crescimento econômico no Brasil.
Nem remotamente se vê o mesmo empenho de lideranças
sindicais em colocar a educação no topo da agenda,
apesar do fato óbvio de que filho de trabalhador estuda
em escola pública. Muitas vezes, aliás, essas
lideranças bancam o corporativismo estúpido
que acaba, em sala de aula, prejudicando os alunos -de novo,
filhos de seus associados. Isso ajuda a explicar um absurdo,
verificado pelas pesquisas opinião: o rico está
mais incomodado com a qualidade das escolas públicas
do que o pobre.
Se o aprendizado sobre a praga do corporativismo se aprofundar,
mostrando o custo para os mais pobres, talvez seja um dos
principais temas da sucessão presidencial. Lula gastou
muito, mas muito mais, aumentando salários e empregando
funcionários públicos, do que com a Bolsa Família,
seu principal programa social.
Daí se explica como manter o funcionalismo razoavelmente
calmo -até porque transformou muitos cargos estratégicos
em cabide de emprego para sindicalistas e líderes de
movimentos sociais.
PS - Apenas 5% dos alunos que concluem o ensino médio
na rede estadual de São Paulo dominam adequadamente
a leitura e a escrita. Mesmo assim, questionados sobre como
vai a educação, 47% dos mais pobres e menos
escolarizados estão plenamente satisfeitos, apontando-a
como ótima ou boa. Entre os mais ricos, o nível
de ótimo e bom é igual ao de ruim e péssimo:
33%.
Não vai ser fácil mudar rapidamente a situação
se tanta gente mostrar tanta ignorância sobre o que
ocorre nas escolas públicas, vítima de uma tripla
aliança: a incompetência governamental, a mediocridade
sindical e omissão familiar.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.
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