REFLEXÃO


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folha de s. paulo
07/06/2009

Empresários à esquerda de sindicalistas

Pela primeira vez, a sociedade cria metas de ensino, para cobrar mais e melhores ações de governo


Depois da decretação do estado de calamidade, o governo federal assumiu quatro hospitais geridos pela prefeitura do Rio -desde a semana passada, se transformaram num laboratório contra a incompetência burocrática. Foram chamados, entre outros, os hospitais Albert Einstein, HCor, Samaritano e Sírio-Libanês, todos exemplos de excelência, para ajudar na gestão daqueles hospitais do Rio, cujos descalabros acabaram nas manchetes de jornais.

A decisão é reflexo dos resultados dos hospitais e centros de saúde públicos, administrados por organizações sociais, que melhoraram a qualidade e o número de atendimentos sem aumento do custo. Mesmo assim, são alvo de pressões sindicais, ataques de políticos, a maioria deles ligados ou em torno do PT, muitas vezes apoiados por promotores.

Quando um governo comandado pelo PT, influenciado pelo sindicalismo público, chama a iniciativa privada para ajudar na gestão do serviço de saúde é sinal de que algo está mudando em todo o país -e o que está mudando é a crescente percepção de que o corporativismo pode proteger uma categoria, mas prejudica os pobres.

Na semana passada, o sindicato dos professores de São Paulo tentou uma greve contra, entre outros pontos, a obrigação de os aprovados em concurso fazerem um curso antes de entrar na sala de aula e o exame periódico dos docentes temporários. O sindicato conseguiu, neste ano, com um recurso na Justiça, que mesmo os professores que tiraram zero numa prova continuassem dando aula. Em seu histórico, estão a defesa do absenteísmo e o ataque ao bônus por mérito.
Com apoio de alunos, professores entraram em greve na USP: além das reivindicações salariais, pede-se o fim da implantação dos cursos a distância, numa demonstração de fobia à tecnologia, teoricamente inaceitável num ambiente universitário. Sem contar aqui o elitismo.

A tentativa de greve do sindicato dos professores das escolas estaduais foi um fracasso -talvez pela percepção de que seria um desgaste diante da opinião pública. É óbvio que quanto mais formação e mais exigências aos professores, além de mais vagas nas universidades, melhor para os mais pobres.

Mas, em geral, as pessoas costumam imaginar que, onde está o sindicato ou partidos de esquerda, está a luta contra a desigualdade e a injustiça. Não é o que acontece quando a conquista de categorias ocorre em prejuízo das camadas mais vulneráveis da população.

Pode parecer estranho à primeira vista, mas, em muitos casos, lideranças empresariais estão à esquerda das sindicais. Uma pesquisa sobre a visão da elite da América Latina realizada pelo Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP, divulgada pelo jornal "Valor Econômico", mostrou que, entre os entrevistados brasileiros, 54% acham que a grande tarefa de um governo é cuidar da educação. Nesse quesito, nossa elite superou, com folga, as elites de Chile, México, Argentina, Bolívia e Venezuela.

Está virando um caso de estudo em Harvard, o movimento de lideranças empresariais batizado de "Todos pela Educação". Pela primeira vez, a sociedade cria metas de ensino, para cobrar mais e melhores ações de governo. O motivo desse movimento é a convicção mostrada num artigo, na semana passada, na revista "The Economist" -a baixa educação dificulta o crescimento econômico no Brasil.

Nem remotamente se vê o mesmo empenho de lideranças sindicais em colocar a educação no topo da agenda, apesar do fato óbvio de que filho de trabalhador estuda em escola pública. Muitas vezes, aliás, essas lideranças bancam o corporativismo estúpido que acaba, em sala de aula, prejudicando os alunos -de novo, filhos de seus associados. Isso ajuda a explicar um absurdo, verificado pelas pesquisas opinião: o rico está mais incomodado com a qualidade das escolas públicas do que o pobre.

Se o aprendizado sobre a praga do corporativismo se aprofundar, mostrando o custo para os mais pobres, talvez seja um dos principais temas da sucessão presidencial. Lula gastou muito, mas muito mais, aumentando salários e empregando funcionários públicos, do que com a Bolsa Família, seu principal programa social.

Daí se explica como manter o funcionalismo razoavelmente calmo -até porque transformou muitos cargos estratégicos em cabide de emprego para sindicalistas e líderes de movimentos sociais.

PS - Apenas 5% dos alunos que concluem o ensino médio na rede estadual de São Paulo dominam adequadamente a leitura e a escrita. Mesmo assim, questionados sobre como vai a educação, 47% dos mais pobres e menos escolarizados estão plenamente satisfeitos, apontando-a como ótima ou boa. Entre os mais ricos, o nível de ótimo e bom é igual ao de ruim e péssimo: 33%.

Não vai ser fácil mudar rapidamente a situação se tanta gente mostrar tanta ignorância sobre o que ocorre nas escolas públicas, vítima de uma tripla aliança: a incompetência governamental, a mediocridade sindical e omissão familiar.


Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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