Por
dia, a poluição mata prematuramente 12 pessoas
e produz 200 vítimas de pneumonia e outras doenças
CHEFE DO LABORATÓRIO DE POLUIÇÃO DA USP
, integrante do comitê científico da Faculdade
de Saúde Pública da Universidade Harvard e professor
titular de patologia, Paulo Saldiva chegou ao topo de sua
carreira, mas sente-se um médico frustrado: "Faço
diagnósticos, mas não consigo curar", lamenta.
Ele e seu grupo de 30 pesquisadores da USP diagnosticam que,
por dia, na cidade de São Paulo, a poluição
mata prematuramente 12 pessoas e produz 200 vítimas
de pneumonia, infarto do miocárdio, asma, otite, entre
outras doenças. É o suficiente para reduzir
em um ano a expectativa de vida do paulistano.
As invisíveis partículas que saem dos escapamentos
dos automóveis mataram, em 2007, o dobro- isso mesmo,
caro leitor, o dobro -do que os assassinatos. Se imaginarmos
um estádio superlotado do Morumbi, teremos uma idéia
do que representam anualmente as 200 pessoas que todos os
dias adoecem por causa da poluição.
A frustração de Saldiva é que, apesar
de seu diagnóstico baseado em pesquisas científicas,
a poluição aumenta e mata cada vez mais gente,
mas não gera tanta mobilização como a
violência, a maior preocupação dos paulistanos.
As duas últimas semanas serviram para aumentar a frustração
de Saldiva -um médico que, para dar o exemplo, se locomove
pela cidade montado em uma bicicleta.
De 2006 a 2007, como noticiou a Folha, aumentou em 54% o número
de vezes em que a qualidade do ar estava imprópria.
Nesse mesmo período, a taxa de homicídios na
cidade de São Paulo caiu 22%. Desde 1990, a redução
foi de 73%.
Nas duas últimas semanas, foram noticiados recordes
de congestionamento, inclusive em períodos razoavelmente
sossegados para os padrões locais. "Não
vemos os políticos dispostos a enfrentar os donos de
automóveis", critica o médico. Politicamente,
isso é explicável.
Convivem na cidade 11 milhões de habitantes e 6 milhões
de automóveis, 800 dos quais licenciados a cada 24
horas. Não é necessário ser um matemático
para ver que a imensa maioria dos eleitores está motorizada.
São agradados, no geral, com pontes, viadutos, alargamento
de ruas e avenidas, levados à ilusão de que
a circulação vai melhorar. As obras rendem votos
(e, quem sabe, ajuda em caixa de campanha), mas não
soluções. Tanto não rendem soluções
que já existem cálculos sobre o dia e a hora
em que a cidade vai, literalmente, parar.
Existe luz no fim do túnel? Existe. Mas ainda está
muito difícil enxergá-la justamente por causa
do excesso de fumaça.
Os crescentes incômodos com o trânsito e com
a ecologia, traduzidos nas horas paradas e nas mortes e doenças,
abrem espaço para que, nesta eleição
municipal, se discuta até que ponto vale a pena apoiar
medidas impopulares e, ao mesmo tempo, gestões urbanas
mais sofisticadas.
Sofisticadas significa integrar diferentes níveis de
governo no financiamento de transportes públicos. Apenas
agora, depois de quase três décadas, a prefeitura
deu dinheiro para a expansão do metrô, que não
recebe um centavo (exatamente isso, centavo), de Brasília
-um desdém indesculpável diante de uma região
com tanta importância nacional.
Assim como são sofisticados os planos de integração
dos vários sistemas de transportes, formando uma malha
eficiente, acoplados a projetos destinados a aproximar moradia
ao trabalho. Um dos planos mais ousados é a recuperação
da orla ferroviária, antiga área de fábricas
e hoje subutilizada, em pólo dinâmico, tirando-se
proveito da existência de centenas de quilômetros
de trilhos.
Medidas dessa complexidade exigem uma política diferenciada
para as regiões metropolitanas, a começar da
aliança de vários prefeitos vizinhos, em parceria
com o governador e o presidente.
Mesmo que saiam do papel, esses planos não bastam.
Os mais experientes especialistas de trânsito asseguram
que serão exigidas medidas antipáticas. Uma
delas é limitar as entregas de carga a determinados
horários, o que desagrada aos comerciantes. Outra,
ainda mais impopular, é fazer pedágio urbano
para tirar os carros das ruas e, ao mesmo tempo, financiar
o transporte público.
Vai dar muita briga, mas, depois, todos vão aceitar.
Ninguém quer mais tirar o rodízio nem se pede
mais o fim dos talões de zona azul, duas medidas que
provocaram incômodos quando lançadas. O que não
sabemos é se, desse pleito, vai sair um plano capaz
de colocar seu projeto político individual abaixo dos
interesses coletivos e topar uma briga que pode-se perder
no presente, mas se ganha no futuro.
O prefeito de Londres impôs o pedágio, apanhou
de todos os lados, mas venceu e hoje é reverenciado
pelos londrinos e aplaudido mundialmente pela sua coragem.
O que está em discussão não é
o trânsito, mas a construção de uma sociedade
civilizada. Provavelmente, vai aparecer a luz no fim do túnel
quando os eleitores ficarem tão irritados com as mortes
provocadas pela poluição como os assassinatos
cometidos por marginais.
Não fosse a pressão, São Paulo não
teria reduzido em 73% o número de assassinatos.
PS - Coloquei no
site um texto didático do professor Saldiva sobre
a relação entre saúde e poluição.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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