Aos 13 anos,
Marcos Lopes cometeu seu primeiro furto -atacou, de noite,
a cantina da escola, da qual foi expulso. Aos 15, o primeiro
assalto, empunhando um revólver. Com 17, atirou pela
primeira vez num policial, mas a bala não pegou. Aos
19, começou a comandar uma boca de fumo. Agora, aos
26 anos, mais um fato inédito em sua vida: frequenta
o campus da USP, todas as quartas-feiras à noite.
Lá, ele discute, entre outras coisas, sobre ensinar
jovens que, como ele, se seduziram pela marginalidade e pela
violência, da qual a chance de sair é remota.
Sua probabilidade mais amena era ser um ponto invisível
da estatística, divulgada ontem pelo Unicef, de 630
mil crianças brasileiras fora da escola. Ou, então,
mais um dos personagens do trabalho infantil -na próxima
sexta-feira, comemora-se o dia de combate à exploração
de crianças no mercado de trabalho. "Era muitas
vezes mais provável eu estar debaixo da terra do que
caminhando pela USP."
Entre a boca de fumo e a USP, houve uma mudança na
trajetória de Marcos Lopes, quando saiu muito longe
do campo das probabilidades. Com a ajuda da Casa Zezinho,
na zona sul, acabou os estudos e entrou num curso de letras
de uma faculdade privada. A primeira vez que começou
a dar aulas foi na escola da qual foi expulso, na região
do Capão Redondo. Tornou-se mestre numa cadeira que
não existe em nenhuma faculdade de educação:
mediador de conflitos para evitar violência.
Foi chamado, então, por uma entidade não-governamental
(Rukha) para ser uma espécie de professor de rua -afinal,
conhecia os códigos do tráfico de drogas e como
se comunicar com os jovens. "O importante é tentar
mostrar aos jovens que, fora do crime, há chance de
progresso."
Neste ano, ele soube que, dentro do campus da USP, a Fundação
Vanzolini, ligada à Poli, resolveu criar um curso batizado
de "engenharia comunitária" -o foco é
estudar casos dentro e fora do Brasil de revitalização
das comunidades, especialmente nas áreas vulneráveis
das cidades. Marcos candidatou-se a uma vaga como aluno, mas,
pela sua experiência, entrou com status de professor.
Ainda mais porque, com 26 anos, pela primeira vez escreve
um livro, um romance autobiográfico intitulado "Zona
de Guerra". "Percebi que seria possível contar
a história do meu bairro usando meu ponto de vista
e a minha vivência no crime e no tráfico."
Mas seu projeto é que esse livro vire material didático
para os cursos que pretende criar em seu bairro, depois de
concluir sua passagem pela USP, para onde, como nas quartas-feiras,
irá hoje assistir às aulas -ontem ocorreu uma
briga entre jovens e policiais que faria lembrar, por alguns
momentos, a periferia. Com a diferença de que, na periferia,
esse tipo de embate raramente dá manchete de jornal.
Coloquei neste
link trechos do livro "Zona de Guerra"
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.
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