REFLEXÃO


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urbanidade
10/06/2009

Da boca de fumo para a USP

Aos 13 anos, Marcos Lopes cometeu seu primeiro furto -atacou, de noite, a cantina da escola, da qual foi expulso. Aos 15, o primeiro assalto, empunhando um revólver. Com 17, atirou pela primeira vez num policial, mas a bala não pegou. Aos 19, começou a comandar uma boca de fumo. Agora, aos 26 anos, mais um fato inédito em sua vida: frequenta o campus da USP, todas as quartas-feiras à noite.

Lá, ele discute, entre outras coisas, sobre ensinar jovens que, como ele, se seduziram pela marginalidade e pela violência, da qual a chance de sair é remota. Sua probabilidade mais amena era ser um ponto invisível da estatística, divulgada ontem pelo Unicef, de 630 mil crianças brasileiras fora da escola. Ou, então, mais um dos personagens do trabalho infantil -na próxima sexta-feira, comemora-se o dia de combate à exploração de crianças no mercado de trabalho. "Era muitas vezes mais provável eu estar debaixo da terra do que caminhando pela USP."

Entre a boca de fumo e a USP, houve uma mudança na trajetória de Marcos Lopes, quando saiu muito longe do campo das probabilidades. Com a ajuda da Casa Zezinho, na zona sul, acabou os estudos e entrou num curso de letras de uma faculdade privada. A primeira vez que começou a dar aulas foi na escola da qual foi expulso, na região do Capão Redondo. Tornou-se mestre numa cadeira que não existe em nenhuma faculdade de educação: mediador de conflitos para evitar violência.

Foi chamado, então, por uma entidade não-governamental (Rukha) para ser uma espécie de professor de rua -afinal, conhecia os códigos do tráfico de drogas e como se comunicar com os jovens. "O importante é tentar mostrar aos jovens que, fora do crime, há chance de progresso."

Neste ano, ele soube que, dentro do campus da USP, a Fundação Vanzolini, ligada à Poli, resolveu criar um curso batizado de "engenharia comunitária" -o foco é estudar casos dentro e fora do Brasil de revitalização das comunidades, especialmente nas áreas vulneráveis das cidades. Marcos candidatou-se a uma vaga como aluno, mas, pela sua experiência, entrou com status de professor. Ainda mais porque, com 26 anos, pela primeira vez escreve um livro, um romance autobiográfico intitulado "Zona de Guerra". "Percebi que seria possível contar a história do meu bairro usando meu ponto de vista e a minha vivência no crime e no tráfico."

Mas seu projeto é que esse livro vire material didático para os cursos que pretende criar em seu bairro, depois de concluir sua passagem pela USP, para onde, como nas quartas-feiras, irá hoje assistir às aulas -ontem ocorreu uma briga entre jovens e policiais que faria lembrar, por alguns momentos, a periferia. Com a diferença de que, na periferia, esse tipo de embate raramente dá manchete de jornal.

Coloquei neste link trechos do livro "Zona de Guerra"


Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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