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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
10/07/2006
Apenas R$ 12

Como Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, faz para manter crianças na escola da manhã até o final da tarde


Uma das regiões mais pobres e violentas da região da Baixada Fluminense, marcada pelo desemprego e tráfico de drogas, Nova Iguaçu iniciou neste ano uma experiência que mostra como manter uma criança na escola de manhã até o final da tarde -e ao custo de apenas R$ 12 mensais por aluno.

Esse valor foi atingido porque se decidiu não contratar ninguém, não alugar nenhum imóvel, nem construir novas instalações: aproveitou-se o que já estava, na cidade, disponível, pouco usado e disperso tanto de espaços como de recursos. Como neste ano eleitoral candidatos à Presidência e a governos estaduais serão obrigados a apresentar soluções para os problemas da educação e da violência, especialmente em áreas metropolitanas, experiências como a de Nova Iguaçu, apesar de engatinhando, merecem ser observadas.

Essa solução nasceu por causa de um impasse. A prefeitura, dirigida por Lindberg Farias (PT), queria construir escolas como os CEUs, em São Paulo, e os CIEPs, no Rio. Feitas as contas, percebeu-se que não haveria dinheiro para a construção nem para a manutenção dessas unidades. Por falta de alternativa, o município investiu então na idéia de bairros educativos para ocupar os espaços próximos às escolas que pudessem ser utilizados pelos estudantes depois ou antes de assistirem às aulas -clubes, academias esportivas, núcleos socioeducativos, entidades não governamentais, templos e igrejas, que fariam parte de trilhas organizadas e monitoradas por professores.

Um prosaico problema impedia a circulação dos estudantes: as calçadas repletas de camelôs ou tomadas pelos comerciantes. Depois de uma negociação, eles desocuparam o espaço público. Para dar visibilidade às trilhas, crianças, seus pais e artistas da comunidade fizeram intervenções coloridas nos muros - o que serviu para embelezar a cidade e facilitar os trajetos. Por trás dessa rede opera um mecanismo de gestão dentro do governo para colocar as diferentes secretarias num foco comum, cruzando as diversas políticas públicas. Seria impossível, por exemplo, para uma diretora de ensino, por mais bem-intencionada, tirar os camelôs das calçadas ou aprimorar a sinalização nas ruas para facilitar a circulação dos estudantes. Fazer uma parceria com os agentes de saúde ou guardas municipais para que olhem seus alunos ou oferecer, como se está planejando, esportes de madrugada para reduzir a violência juvenil.

Mesmo sem erguer nada e utilizando os espaços disponíveis, chegou-se ao gasto mensal de R$ 45 por criança. Para baixar esse valor até bater nos R$ 12, concentraram-se no projeto de bairros educativos os recursos do município de programas federais voltados à inclusão pela educação, antes dispersos em rubricas de esporte, cultura, geração de renda, trabalho infantil. E, aí, o projeto tornou-se viável -e, de quebra, replicável. Apesar de se ver mudança na atitude dos alunos em casa e na escola, ainda é cedo para avaliar a experiência, cujo sucesso depende de uma série de fatores, entre eles a qualificação dos profissionais, a capacidade de manter as políticas públicas articuladas e a adesão da cidade. Depende também de que não vire instrumento de marketing de um governo ou de um prefeito, mas um patrimônio coletivo. Não se está inventando a roda. Estudos extremamente detalhados demonstram que a rede formada por família, comunidade e escola tende a estimular o aprendizado e reduzir a violência. Basta ver o ranking, divulgado há poucos dias, da Prova Brasil, que avalia o conhecimento dos alunos em português e matemática da rede pública em todo o país. As escolas de cidade do interior, onde o capital social -a família está mais próxima dos filhos e dos professores, por exemplo- tiraram, na média, as melhores notas.

O que Nova Iguaçu está sugerindo é que a escola em tempo integral, uma das peças para reduzir desigualdades, combater a violência e elevar a taxa de cidadania, depende menos de obras e contratações do que de gestão de recursos disponíveis.

P.S. - O município de São Paulo, sede de faculdades e de centros de pesquisa de renome mundial, de sofisticadas fundações empresariais e ONGs, acaba de demonstrar seu maior sinal de incompetência. Na Prova Brasil, a cidade conseguiu ficar abaixo das médias de Estados como Piauí, Ceará, Bahia, Maranhão e Alagoas, marcados pela miséria extrema e por carências educacionais. Isso deveria ser o maior motivo de vergonha dos paulistanos, em geral, e de seus ex-prefeitos, em particular.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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