Na prática,
o brasileiro está impedido de ler e entender uma notícia
com um mínimo
de complexidade
Sem nehum aviso prévio, submeti a duas meninas de 12
anos, estudantes de uma escola privada paulistana (Oswald
de Andrade), um teste de leitura que foi aplicado aos alunos
da rede de ensino municipal da cidade de São Paulo,
cujo resultado acaba de ser divulgado. Elas não estão
entre as primeiras da classe nem estão abaixo da média,
entretanto atingiram a pontuação de 325, ou
seja, acertaram todas as questões -a escala vai de
0 a 325, correspondendo a diferentes habilidades. Acertaram
sem demonstrar dificuldade.
A força desse fato só aparece na comparação:
só 2,9% dos alunos da oitava série da rede pública
conseguiram chegar ao nível mais alto. O detalhe é
que as duas estudantes da escola privada vêm da sexta
série. Se a comparação fosse com a mesma
série, elas estariam quase sozinhas no topo da avaliação.
Para não dizer sozinhas, estariam entre 0,3% dos que
fizeram a prova. Daí se vê como prospera a desigualdade
social. Espantado? Espere para ver.
Para chegar ao nível 300, seria preciso ler um artigo
de nove linhas no qual se informa que, ao contrário
da maioria dos rios que correm para o mar, o Tietê vai
para o interior. Logo em seguida, apresentou-se uma poesia
de Mário Andrade, onde se lê: rio que entras
pela terra/ e que me afastas do mar.
Diante de um teste de múltipla escolha, cerca de 90%
dos alunos da oitava série não souberam fazer
uma relação entre a imagem poética e
a explícita informação sobre a direção
do Tietê, ou seja, não indicaram a opção
de que o rio segue em direção ao interior, já
explícita, com todas as letras, no artigo.
Atingiu a pontuação máxima (325) quem
soube dizer, também em questão de múltipla
escolha, que uma crônica de Fernando Sabino faz um relato
no tempo presente para falar do passado. Menos de 97% dos
estudantes chegaram lá.
Vamos descer um pouco na pontuação. No nível
275, pediu-se que o aluno identificasse uma frase em que aparecia
o nome de um país com letra maiúscula. A palavra
China aparece logo na primeira linha de um artigo sobre um
golfinho. Resultado: 70% dos alunos da oitava série
erraram; 90% da sexta série não acertaram. Prepare-se,
então, para mais uma surpresa.
Com esse resultado, tomando por base o último teste
nacional ( Prova Brasil), os alunos da oitava série
da rede municipal paulistana, dos quais 70% não acertaram
a frase com a palavra China, seriam vice-campeões em
leitura se comparados a seus colegas das demais capitais.
Estariam, na verdade, praticamente empatados em primeiro lugar.
A tradução, em essência, é que,
na prática, o brasileiro está impedido de ler
e entender uma notícia com um mínimo de complexidade.
Não por outro motivo, as eleições se
resumem, basicamente, a um jogo de imagens e frases de efeito.
Para não dizer que tudo é má notícia,
a Prova São Paulo traz a inovação, que
deveria ser copiada em todo o país, de que pela primeira
vez se pode saber o desempenho não só de cada
escola mas também de cada aluno -o problema é
saber quantos podem ler e, acima de tudo, entender os seus
resultados.
PS - Assim como houve um esforço, no passado, de explicar
o "economês" dos economistas, vamos ter de
traduzir o "pedagogês" dos pedagogos. Não
há nenhuma razão para que não se divulgue
também uma versão simplificada em uma escala
de 1 a 10 ou coisa parecida. Assim os pais saberiam com clareza
se seu filho está aprendendo, e a pressão popular
seria maior. As avaliações trazem trechos só
acessíveis a especialistas, e olhe lá.
Veja as habilidades necessárias para a pontuação
325, segundo o manual que acompanha a Prova São Paulo.
O aluno deve conseguir o seguinte para chegar a esse nível:
1) Estabelecer relações lógico-discursivas,
em texto literário narrativo (crônica), identificando
o efeito expressivo produzido pelo narrador no discurso enunciado,
com a mudança de categoria de tempo (debreagem temporal)
do fato narrado projetado no passado (não agora) para
o fato narrado projetado no presente (agora);
2) Inferir item de informação subentendida,
em texto expositivo informativo, com base em dada proposição
hipotética, avaliando sua aplicação prescritiva
em situação pública.
Links relacionados:
Bom exemplo contra a mediocridade
Leia
o desabafo da professora da UFMG sobre o ‘pedagogês’
e as avaliações
Coluna originalmente publicada na Folha Online,
editoria Pensata.
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