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REFLEXÃO


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urbanidade
11/05/2005
Sinfonia do lixo

Para participar de uma inusitada experiência musical no próximo domingo, cada pessoa terá de levar seu próprio instrumento. A condição, porém, é que esses instrumentos sejam objetos imprestáveis e condenados ao lixo: latas, garrafas, canos de ferro, tubos de plástico, galões de água. "Será uma espécie de reciclagem auditiva", compara o violonista Pepê Mata Machado.

Pepê está convidando as pessoas a compor a "Sinfonia do Lixo" na avenida Sumaré, fechada aos domingos para o trânsito. Ali vão descobrir, em conjunto, os sons que podem ser extraídos daqueles objetos aparentemente inúteis. "É uma viagem ver os olhos das pessoas quando percebem nascer um som inesperado." Essa reciclagem é um pouco de sua própria história.

Até chegar ao som do lixo, Pepê, hoje com 33 anos de idade, teve de reciclar um ressentimento contra a música. Nasceu numa família de muitos músicos: sua bisavó já era professora de piano; seu irmão mais velho, Paulo, exibia talento para flauta e, nas festas, costumava ser o centro das atenções. "Confesso que me sentia um marginal."

Os dois irmãos dormiam no mesmo quarto. Paulo não se separava da flauta e, desde adolescente, passava horas e mais horas no quarto estudando Bach e Vivaldi. Sem habilidade para tocar instrumentos, Pepê até tentou cantar, mas foi apelidado de "voz de trombone".

Pepê achava estranha a atração que exerciam sobre ele, na adolescência, alguns sons estranhos: o ranger da porta da garagem, por exemplo. "Na música, sentia-me tão à margem como aqueles ruídos."

Foi viver nos Estados Unidos, onde cursou o ensino médio e acabou sendo seduzido pela música. Por diversão, tocava violão na rua. Veio morar em São Paulo, levou o estudo de música a sério e acabou envolvendo-se com o Teatro Oficina, dirigido por Zé Celso. Foi-se rendendo ao gosto pela experimentação na descoberta de sons extraídos de diferentes materiais e acabou envolvido num projeto de reciclagem de lixo, a Oficina Boracea.

Surgiria, assim, a Orquestra de Plástico (projeto de criação de instrumentos musicais com materiais reciclados), que vai comandar a "Sinfonia do Lixo" na avenida Sumaré. É uma combinação harmônica: por afastar o estresse dos motores, aquela avenida passou a emitir, pelos menos aos domingos, diferentes sons: os das bicicletas, skates, caminhadas, carrinhos de bebês ou bola batendo no chão. É assim que o pedestre, tal qual Pepê, deixa de ser marginal.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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