REFLEXÃO


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urbanidade
11/07/2007

Zelador cria laboratório jornalístico

Puxado pelas memórias da infância, Ademir voltou a fazer um telejornal, motivado pela sujeira de sua escola


Quando era criança, Ademir da Silva Santos sonhava em ser repórter de televisão. Lendo notícias numa bancada improvisada, encenava para os seus amigos um telejornal. "Era só um sonho", lamenta. Por falta de recursos, ele nem conseguiu concluir a 5ª série do ensino fundamental e acabou virando zelador de edifício -atualmente trabalha num prédio da Vila Olímpia, em São Paulo.

Ademir está com 37 anos e voltou a estudar -hoje ele freqüenta um curso supletivo noturno. E foi esse retorno aos bancos escolares que lhe propiciou a retomada do velho sonho de criança: puxado pelas memórias da infância, voltou a fazer um telejornal, agora motivado pela sujeira de sua escola. Sem saber, ele está desenvolvendo um inusitado laboratório de jornalismo, que pode ser disseminado por todo o país. "Estou vendo como a comunicação é capaz de mover as pessoas."

Como zelador, Ademir aprendeu, entre outras coisas, a cuidar da limpeza dos prédios. Por isso mesmo, incomodava-o a sujeira na escola em que se matriculou, a Napoleão de Carvalho Freire, em Moema. "Percebi que a sujeira era provocada por uma minoria de alunos." Apesar disso, segundo ele, toda a escola sentia aquele descaso como algo imutável.

Nasceu dessa situação o projeto de criar a "Napô TV" (uma abreviação de Napoleão, o nome da escola), com reportagens feitas pelos próprios estudantes sobre a sujeira e a degradação do espaço físico. "Não sei muito; o pouco que sei é de tanto ver jornal na televisão."

Em março, ele pegou sua câmera velha e saiu, de classe em classe, perguntando quem gostaria de ser repórter da "Napô TV". "Ninguém acreditou que alguém fosse participar." Para piorar, quando a experiência estava começando, a câmera quebrou, e ele teve de patrocinar, com os próprios recursos, um novo equipamento. "Não podia parar."

Os alunos montam a pauta e, depois, saem entrevistando colegas, professores e funcionários da escola para ampliar informações e buscar soluções. As gravações são feitas em fitas VHS e exibidas na sala de vídeo. "Gostaria que existissem aparelhos no pátio."

Como todo o material era feito pelos próprios alunos - e os repórteres se sentiram orgulhosos de produzir o telejornal-, a sujeira revelada na tela teve um impacto especial, medido por inusitadas imagens: alguns estudantes começaram a varrer a sua própria classe, e uma comissão se dispôs a tirar as pichações do banheiro. "Já é alguma coisa."

Imagina que, com mais edições do telejornal, a adesão será ainda maior, especialmente se conseguir aumentar o número de repórteres.

Ademir quer dar mais saltos, envolver mais alunos e melhorar as matérias. Mas, mesmo que não consiga mais recursos para aprimorar o telejornal, Ademir já terá criado uma experiência de "educomunicação" que pode se revelar eficaz até nos centros mais avançados de pesquisa sobre essa linguagem em que se mistura educação e comunicação.



PS - Assista uma edição do "Napô TV".

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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