Puxado
pelas memórias da infância, Ademir voltou a fazer
um telejornal, motivado pela sujeira de sua escola
Quando era criança, Ademir da Silva Santos sonhava
em ser repórter de televisão. Lendo notícias
numa bancada improvisada, encenava para os seus amigos um
telejornal. "Era só um sonho", lamenta. Por
falta de recursos, ele nem conseguiu concluir a 5ª série
do ensino fundamental e acabou virando zelador de edifício
-atualmente trabalha num prédio da Vila Olímpia,
em São Paulo.
Ademir está com 37 anos e voltou a estudar -hoje ele
freqüenta um curso supletivo noturno. E foi esse retorno
aos bancos escolares que lhe propiciou a retomada do velho
sonho de criança: puxado pelas memórias da infância,
voltou a fazer um telejornal, agora motivado pela sujeira
de sua escola. Sem saber, ele está desenvolvendo um
inusitado laboratório de jornalismo, que pode ser disseminado
por todo o país. "Estou vendo como a comunicação
é capaz de mover as pessoas."
Como zelador, Ademir aprendeu, entre outras coisas, a cuidar
da limpeza dos prédios. Por isso mesmo, incomodava-o
a sujeira na escola em que se matriculou, a Napoleão
de Carvalho Freire, em Moema. "Percebi que a sujeira
era provocada por uma minoria de alunos." Apesar disso,
segundo ele, toda a escola sentia aquele descaso como algo
imutável.
Nasceu dessa situação o projeto de criar a "Napô
TV" (uma abreviação de Napoleão,
o nome da escola), com reportagens feitas pelos próprios
estudantes sobre a sujeira e a degradação do
espaço físico. "Não sei muito; o
pouco que sei é de tanto ver jornal na televisão."
Em março, ele pegou sua câmera velha e saiu,
de classe em classe, perguntando quem gostaria de ser repórter
da "Napô TV". "Ninguém acreditou
que alguém fosse participar." Para piorar, quando
a experiência estava começando, a câmera
quebrou, e ele teve de patrocinar, com os próprios
recursos, um novo equipamento. "Não podia parar."
Os alunos montam a pauta e, depois, saem entrevistando colegas,
professores e funcionários da escola para ampliar informações
e buscar soluções. As gravações
são feitas em fitas VHS e exibidas na sala de vídeo.
"Gostaria que existissem aparelhos no pátio."
Como todo o material era feito pelos próprios alunos
- e os repórteres se sentiram orgulhosos de produzir
o telejornal-, a sujeira revelada na tela teve um impacto
especial, medido por inusitadas imagens: alguns estudantes
começaram a varrer a sua própria classe, e uma
comissão se dispôs a tirar as pichações
do banheiro. "Já é alguma coisa."
Imagina que, com mais edições do telejornal,
a adesão será ainda maior, especialmente se
conseguir aumentar o número de repórteres.
Ademir quer dar mais saltos, envolver mais alunos e melhorar
as matérias. Mas, mesmo que não consiga mais
recursos para aprimorar o telejornal, Ademir já terá
criado uma experiência de "educomunicação"
que pode se revelar eficaz até nos centros mais avançados
de pesquisa sobre essa linguagem em que se mistura educação
e comunicação.
PS
- Assista uma edição do "Napô TV".
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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