Escola
pública empresta uma sala para que jovens pobres com
mais de 18 anos façam um curso de bartender
Um grupo de 60 jovens está freqüentando um curso
de bartender, num local inusitado: uma escola pública
de ensino fundamental. Se o programa repetir o desempenho
do ano anterior, 90% dos formados estarão empregados
nos próximos seis meses. Além dos professores
especialistas em prazeres etílicos, há uma vantagem
geográfica: aquela escola localiza-se em um dos centros
da boemia paulistana, onde os bares e restaurantes demandam
mão-de-obra qualificada.
As aulas ocorrem à noite e são destinadas a
jovens de famílias pobres, todos com mais de 18 anos.
Aprendem não só as receitas das bebidas mas
também seus perigos, treinados sobre o consumo consciente
do álcool. Os pais dos alunos são convidados
a participar das aulas sobre prevenção ao abuso
do álcool.
A melhor receita nada tem a ver com bebidas e boemia.
Localizada na região de Pinheiros, numa área
de cortiços, a escola Olavo Pezzotti, que emprestou
uma sala para formar profissionais de bartender, fez com que
seus alunos se destacassem no teste de português e matemática
(Prova Brasil), aplicado pelo Ministério da Educação.
Nesse teste, São Paulo aparece quase em último
lugar entre as demais capitais. Mas a média das notas
da oitava série da Olavo Pezzotti supera ou empata
com a média, em língua portuguesa e matemática,
de Campo Grande e Curitiba, as primeiras colocadas entre as
capitais.
Abrir espaço para as aulas de bartender é um
ingrediente da receita de uma boa escola -e mostra que não
adianta dar mais dinheiro para a educação, como
se propõe o novo fundo (Fundeb), aprovado na Câmara,
na semana passada, sem mudar a mentalidade dos professores.
Vamos encontrar as razões para o bom desempenho da
Olavo Pezzotti nas escolas que se destacaram na Prova Brasil,
mesmo localizadas em regiões pobres -assim como vemos
em qualquer parte do mundo, de Nova York a Nova Déli.
Olhando caso a caso, achamos em comum o alto envolvimento
da direção e dos professores (portanto, baixa
rotatividade), o que favorece um melhor relacionamento com
os alunos e suas famílias. Observamos ainda a preocupação
em aproximar o currículo do cotidiano e em oferecer
atividades extracurriculares.
Um fato, porém, é relevante e pouquíssimo
estudado, no Brasil, nas faculdades de pedagogia ou nos cursos
de licenciatura: as comunidades de aprendizagem.
Comunidade de aprendizagem significa, em poucas palavras,
a criação de alianças da escola com seu
entorno, a começar pelo bairro e estendendo-se pela
cidade. Exemplo: a Olavo Pezzotti tira proveito de sua geografia
na formação de seus professores, da elaboração
do currículo e de atividades culturais. Está
próxima de duas universidades (PUC e USP) e de uma
série de instituições que desenvolvem
os mais diversos programas educativos em artes, comunicação,
esportes, geração de renda e saúde. Faz
sentido, portanto, ceder espaço ao curso de bartender
sabendo que, na região, há um mercado aberto
a esse profissional.
A comunidade de aprendizagem acaba por compensar ou reduzir
uma das pragas das crianças e dos adolescentes: o baixo
repertório cultural e a falta de envolvimento das famílias
no aprendizado dos filhos. Some-se a isso que muitas dessas
crianças têm problemas de saúde, que não
são tratados e dificultam a concentração
-e um bando de ignorantes acha que a melhor forma de ajudá-las
é fazer com que repitam o ano, minando sua auto-estima.
No caso da Olavo Pezzotti, há uma relação
muito próxima com o posto de saúde e com médicos
e terapeutas do entorno.
A rede é ainda mais complexa, exibindo a importância
vital da pré-escola como fator de inclusão social
e estímulo ao desempenho educacional. Prever recursos
para esse nível de ensino, tão negligenciado
no Brasil, é o ponto mais relevante do Fundeb. A Olavo
Pezzotti recebe alunos da também escola pública
Zilda de Franceschi, destinada a crianças de quatro
a seis anos, cujos professores não se limitam burocraticamente
à sala de aula. Por isso, por exemplo, estudantes de
uma escola privada da vizinhança (Bialik) vão
lá contar histórias sobre o folclore brasileiro.
Alguns desses contadores têm nove anos de idade.
A Zilda de Franceschi é uma escola de tempo integral
-os alunos que permanecem apenas meio período, por
falta de vagas, são cuidados por entidades sociais
próximas- e fica grudada num centro de saúde,
quase formando um único ambiente.
Se não for para se inspirar nesse tipo de receita,
na qual a dimensão do aprendizado seja uma combinação
de escola (de preferência em tempo integral), família
e comunidade, aumentar os gastos com educação
tende a virar desperdício e não reduzir a desigualdade.
PS - Há toneladas de estudos mostrando, com extrema
precisão, que apenas subir salários de professores
não altera a qualidade da educação. Pesa
(e muito), como revela a experiência mundial, o reconhecimento
da comunidade, a começar pela família dos alunos,
pelo papel do educador. Ver o aluno progredir transforma-se,
então, numa recompensa.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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