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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
11 /12/2006
Um brinde à inteligência

Escola pública empresta uma sala para que jovens pobres com mais de 18 anos façam um curso de bartender


Um grupo de 60 jovens está freqüentando um curso de bartender, num local inusitado: uma escola pública de ensino fundamental. Se o programa repetir o desempenho do ano anterior, 90% dos formados estarão empregados nos próximos seis meses. Além dos professores especialistas em prazeres etílicos, há uma vantagem geográfica: aquela escola localiza-se em um dos centros da boemia paulistana, onde os bares e restaurantes demandam mão-de-obra qualificada.
As aulas ocorrem à noite e são destinadas a jovens de famílias pobres, todos com mais de 18 anos. Aprendem não só as receitas das bebidas mas também seus perigos, treinados sobre o consumo consciente do álcool. Os pais dos alunos são convidados a participar das aulas sobre prevenção ao abuso do álcool.
A melhor receita nada tem a ver com bebidas e boemia.

Localizada na região de Pinheiros, numa área de cortiços, a escola Olavo Pezzotti, que emprestou uma sala para formar profissionais de bartender, fez com que seus alunos se destacassem no teste de português e matemática (Prova Brasil), aplicado pelo Ministério da Educação.

Nesse teste, São Paulo aparece quase em último lugar entre as demais capitais. Mas a média das notas da oitava série da Olavo Pezzotti supera ou empata com a média, em língua portuguesa e matemática, de Campo Grande e Curitiba, as primeiras colocadas entre as capitais.

Abrir espaço para as aulas de bartender é um ingrediente da receita de uma boa escola -e mostra que não adianta dar mais dinheiro para a educação, como se propõe o novo fundo (Fundeb), aprovado na Câmara, na semana passada, sem mudar a mentalidade dos professores.

Vamos encontrar as razões para o bom desempenho da Olavo Pezzotti nas escolas que se destacaram na Prova Brasil, mesmo localizadas em regiões pobres -assim como vemos em qualquer parte do mundo, de Nova York a Nova Déli.

Olhando caso a caso, achamos em comum o alto envolvimento da direção e dos professores (portanto, baixa rotatividade), o que favorece um melhor relacionamento com os alunos e suas famílias. Observamos ainda a preocupação em aproximar o currículo do cotidiano e em oferecer atividades extracurriculares.

Um fato, porém, é relevante e pouquíssimo estudado, no Brasil, nas faculdades de pedagogia ou nos cursos de licenciatura: as comunidades de aprendizagem.

Comunidade de aprendizagem significa, em poucas palavras, a criação de alianças da escola com seu entorno, a começar pelo bairro e estendendo-se pela cidade. Exemplo: a Olavo Pezzotti tira proveito de sua geografia na formação de seus professores, da elaboração do currículo e de atividades culturais. Está próxima de duas universidades (PUC e USP) e de uma série de instituições que desenvolvem os mais diversos programas educativos em artes, comunicação, esportes, geração de renda e saúde. Faz sentido, portanto, ceder espaço ao curso de bartender sabendo que, na região, há um mercado aberto a esse profissional.

A comunidade de aprendizagem acaba por compensar ou reduzir uma das pragas das crianças e dos adolescentes: o baixo repertório cultural e a falta de envolvimento das famílias no aprendizado dos filhos. Some-se a isso que muitas dessas crianças têm problemas de saúde, que não são tratados e dificultam a concentração -e um bando de ignorantes acha que a melhor forma de ajudá-las é fazer com que repitam o ano, minando sua auto-estima.

No caso da Olavo Pezzotti, há uma relação muito próxima com o posto de saúde e com médicos e terapeutas do entorno.

A rede é ainda mais complexa, exibindo a importância vital da pré-escola como fator de inclusão social e estímulo ao desempenho educacional. Prever recursos para esse nível de ensino, tão negligenciado no Brasil, é o ponto mais relevante do Fundeb. A Olavo Pezzotti recebe alunos da também escola pública Zilda de Franceschi, destinada a crianças de quatro a seis anos, cujos professores não se limitam burocraticamente à sala de aula. Por isso, por exemplo, estudantes de uma escola privada da vizinhança (Bialik) vão lá contar histórias sobre o folclore brasileiro. Alguns desses contadores têm nove anos de idade.

A Zilda de Franceschi é uma escola de tempo integral -os alunos que permanecem apenas meio período, por falta de vagas, são cuidados por entidades sociais próximas- e fica grudada num centro de saúde, quase formando um único ambiente.

Se não for para se inspirar nesse tipo de receita, na qual a dimensão do aprendizado seja uma combinação de escola (de preferência em tempo integral), família e comunidade, aumentar os gastos com educação tende a virar desperdício e não reduzir a desigualdade.

PS - Há toneladas de estudos mostrando, com extrema precisão, que apenas subir salários de professores não altera a qualidade da educação. Pesa (e muito), como revela a experiência mundial, o reconhecimento da comunidade, a começar pela família dos alunos, pelo papel do educador. Ver o aluno progredir transforma-se, então, numa recompensa.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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