REFLEXÃO


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urbanidade
15/01/2009

Motoboy digital

Aprendemos a usar o telefone celular e a internet para ganharmos voz na sociedade, diz Ronaldo

Para o motoboy Ronaldo Simão da Costa, 35, a função menos importante de seu celular é receber mensagens para fazer suas entregas -aliás, a função menos importante de sua moto é fazer entregas. "Nem sei se o que faço tem nome." Não tem.

Ele se converteu num misto de motoboy, comunicador, jornalista e ativista da era digital. A mistura é o suficiente para transformá-lo em um dos personagens do Campus Party, o gigantesco encontro de internautas que começa a partir do próximo domingo, em São Paulo.

Ronaldo integra uma comunidade virtual com prostitutas, ciganos, meninos de rua e portadores de deficiência, espalhados pela América Latina e Europa. O que há em comum entre eles: "Aprendemos a usar o telefone celular e a internet para ganharmos voz na sociedade".

A história começa quando o artista plástico espanhol Antoni Abad, em visita a São Paulo, se espanta com o movimento frenético de motoboys pela cidade. Soube então da tragédia cotidiana dessa tribo urbana, marcada pelos acidentes diários.
Como já vinha experimentando projetos de internet que iam das prostitutas de Madri e dos taxistas na Cidade do México, passando por ciganos e deficientes físicos, reuniu um grupo de motoboys brasileiros.

Com seus contatos na Espanha -a Telefonica, por exemplo-, Abad treinou o grupo de motoboys a registrar cenas no celular e, em tempo real, divulgá-las numa página da internet. "Para nós, era o jeito de contar todos os dias o que sentimos e vemos", conta Ronaldo, que, antes de ser motoboy, sobrevivia de um bico em uma oficina mecânica consertando motos.

Entre os flagrantes de Ronaldo está o de um homem que queria se jogar de um viaduto e foi contido -sem contar inúmeros acidentes que documentou e publicou no site.

A experiência, iniciada em 2007, deveria durar poucos meses e terminaria depois da exposição das fotos -a exposição ocorreu no Centro Cultural São Paulo.
Mas o grupo quis continuar com o que eles batizaram de "Canal Motoboy" para fazer campanhas pela qualidade de vida da categoria. Uma das campanhas, além das voltadas à segurança, é ensinar a não jogar o óleo das motos no esgoto.
Para fazer a gestão da página, chamaram para ajudar Elieser Muniz, um ex-estudante de filosofia da USP e ex-motoboy. "Estou usando meus conhecimentos em ética e estética", orgulha-se Elieser.

Apesar da falta de recursos e da baixa escolaridade, os integrantes do Canal do Motoboy aprenderam a lidar com as novidades da internet e dos celulares. Essa paixão faz com que eles se sintam em condições de igualdade no Campus Party, que, durante uma semana, recebe internautas obcecados por tecnologia -um dos que estarão lá, por sinal, é Tim Berners-Lee, o criador da web.

Coluna originalmente publicada na Folha Online, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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