A morte da
menina Isabella Nardoni deixou uma extraordinária herança.
Ampliou o debate, como nunca, sobre um problema que ocorre
no Brasil, mas sem grande repercussão: a violência
doméstica contra as crianças. Não estou
dizendo que ela foi assassinada pelos pais - apesar dos vários
indícios comprometedores, não há, até
este momento, provas para condená-los.
O que estou focando é o fato de que a morte trouxe
à luz esse problema, até agora com pouca repercussão
porque é mais comum entre famílias pobres e
desestruturadas, vítimas de desequilíbrios emocionais
extremos.
Desde o final da década de 1980, tenho acompanhado
a violência contra a criança no Brasil. Há
muito tempo estou convencido de que as crianças não
vão morar na rua por causa da pobreza, mas por causa
da dificuldade de enfrentar a agressão familiar, agravada
pelo consumo do álcool e das drogas, em meio ao ambiente
de impunidade - mais precisamente pelo silêncio materno.
Qualquer médico que já tenha feito plantão
num pronto-socorro público sabe de histórias
de crianças que chegam estraçalhadas, queimadas,
pisoteadas, socadas e com marcas de abuso sexual - sem contar
aquelas que se machucam gravemente por negligência paterna.
Há estudos e mais estudos, recheados de estatísticas,
dessa violência doméstica.
Isso tudo é sabido e denunciado por médicos,
assistentes sociais, psicólogos e educadores, mas nunca,
nem remotamente, se prestou tanta atenção a
esse tema como no caso Isabella - essa é triste e monumental
herança que a menina deixou.
O problema é que esse tipo de caso tem de ocorrer
na classe média para que a nação acorde.
Coluna originalmente
publicada na Folha Online, editoria
Pensata.
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