As redes
facilitaram o acesso à informação, mas
também facilitaram a apropriação de reflexões
dos outros
Imagine 687 mil universitários ou recém-formados
disputando 2.500 vagas de estágio e de programas de
trainee. No caso das grandes empresas 3.000 candidatos disputam
uma única vaga. Só para dar uma medida de comparação:
é uma proporção 25 vezes maior do que
a dos vestibulares das mais disputadas faculdades brasileiras.
O que você acha que ocorreu com tanta gente disputando
tão poucos empregos? Pergunte a algumas das 57 empresas,
entre as quais a Microsoft, a Natura, a Unilever, a Braskem
e o ABN-Amro, que participaram da seleção. Não
ocorreu o óbvio.
Responsável pela aplicação dos testes
em 2007, a psicóloga Sofia Esteves constatou que algumas
das empresas não preencheram vagas ou tiveram de se
contentar com a repescagem, obrigadas a diminuir o nível
de exigência. "Há uma distância crescente
entre o perfil desejado pelas empresas e a qualidade dos universitários",
afirma.
Além das óbvias questões educacionais,
relembradas na semana passada, com a divulgação
de um índice de qualidade do ensino (Ideb), a psicóloga
levanta mais uma hipótese: excesso de internet. Seria
essa mais uma das retrógradas reações
típicas de quem tem fobia tecnológica?
Sofia conta que alguns exames foram abrandados ou até
eliminados. Numa prova de língua portuguesa, apenas
um entre 1.800 candidatos foi aprovado. Decidiu-se então
abolir esse requisito -o candidato passou a ser eliminado
apenas quando comete, na redação, um erro do
tipo escrever experiência com "ç".
Na seleção, porém, a dificuldade tem
sido menos a de escrever segundo as normas gramaticais (o
que já é grave) do que a de expor criativamente
uma idéia -um critério relevante porque as empresas
querem funcionários capazes de enfrentar desafios com
autonomia. E aí, na visão da psicóloga,
entraria a ação nociva da internet.
É verdade que as redes digitais facilitaram, como
nunca, o acesso a qualquer tipo de informação,
mas também é fato que facilitaram a apropriação
de reflexões dos outros. É sabido que muitos
alunos, na hora de fazer as lições, montam uma
colagem de textos encontrados na internet. "Estão
perdendo o hábito de ler um livro inteiro e fazer um
resumo."
Pula-se velozmente de galho em galho digital, numa interatividade
hiperativa. A hipótese é que, por isso, sairia
prejudicada a busca de profundidade.
A combinação de excesso de informação
com hiperatividade foi um dos fatores que motivaram Mark Bauerlein,
professor da Universidade Emory, em Atlanta (EUA), a escrever
um livro intitulado "A Mais Burra das Gerações:
Como a Era Digital Está Emburrecendo os Jovens Americanos
e Ameaçando Nosso Futuro". Burrice seria, na sua
visão, 52% dos adolescentes americanos terem respondido
em uma prova que a Alemanha foi aliada dos Estados Unidos
na Segunda Guerra Mundial.
Sua tese central é a de que as tecnologias digitais
permitiram que os jovens passassem ainda mais horas do dia
trocando informações com seus pares, mas, ao
mesmo tempo, diminuiu o tempo de intermediação
dos adultos nos processos de aprendizado.
Diante daquela avalanche de dados em tempo real, ficaria então
mais difícil para os jovens aprender a selecionar e
expor o que é relevante no conhecimento tudo isso acaba
prejudicando a liderança e a capacidade de trabalhar
em grupo.
A avalanche digital não teria maiores problemas se
o jovem não fosse obrigado a buscar um emprego que
exigisse criatividade e autonomia para solucionar desafios
o que requer necessariamente a capacidade de síntese
e a habilidade de selecionar uma informação
relevante. Justamente uma das razões, entre várias,
para que aqueles 687 mil universitários brasileiros
não conseguissem preencher 2.500 vagas.
PS- Como trabalho simultaneamente com comunicação
e educação, tenho observado que, embora adore
a abundância de informação, reverencie
a possibilidade de escolhas e aprecie ainda mais a possibilidade
de interagir, coisas que vieram mesmo para ficar (e é
bom que fiquem), o jovem se sente confuso e demanda cada vez
mais a intermediação de gente em quem possa
confiar para ajudar na seleção das informações.
Ele vê com desconfiança os meios de comunicação
tradicionais como a escola, por suspeitar que eles não
conseguem traduzir o que é relevante para sua vida.
Por esse ângulo, nós é que somos emburrecidos.
Tanto a escola como o jornal do futuro vão estar assentados
na solução desse desafio ou vão ficar
estacionados no passado.
Link relacionado:
Jovens
de talento estão na mira
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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