REFLEXÃO


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urbanidade
19/03/2008

O rio Tietê vai até Londres

A beleza dos mestres da pintura vai ajudar os alunos a ver com outros olhos a feiúra do Tietê dentro da cidade de SP


UM GRUPO DE 21 JOVENS da favela de Paraisópolis começou a percorrer, neste mês, o rio Tietê para levá-lo para bem longe de São Paulo -mais precisamente até o Tâmisa, o rio que passa por Londres. "A descoberta do Tietê está virando uma aventura", afirma a professora de artes plásticas Márcia Anaf, coordenadora da expedição.

É uma aventura que passa pela China, pela África do Sul, pelo Egito e pela Inglaterra, onde, ao mesmo tempo em que o grupo de Paraisópolis descobre o Tietê, jovens daqueles países aprendem sobre os rios que cortam suas cidades -os estudantes do Cairo, por exemplo, pesquisam sobre o Nilo.

Formada em matemática com especialização em design industrial, Márcia Anaf, professora da Faap, dá aula de artes na Escola da Comunidade, na qual quase todos os alunos são moradores da favela de Paraisópolis -essa escola é gratuita, mantida pelo Colégio Visconde de Porto Seguro.

O governo britânico convidou a escola a entrar nesse projeto, batizado de "Rios do mundo", e estabeleceu o desafio: o aprendizado deveria se converter numa peça de arte, a ser exposta no Festival do Tâmisa, em setembro, quando, durante dois dias, ocorrem as mais diversas apresentações culturais, tudo às margens do Tâmisa.

A partir da internet, forma-se uma rede hidrográfica virtual, unindo esses jovens espalhados pelo mundo, cada qual trocando suas descobertas -os rios devem servir de canal para que se discutam questões ecológicas, sociais e econômicas. "O que vamos fazer, depois, é tornar essa experiência um projeto coletivo de arte, a ser exposto em gigantescos painéis." O governo britânico está oferecendo também a ajuda de arte-educadores do Masp. Na aula prevista para hoje, os estudantes iriam ser apresentados a reproduções das telas de Van Gogh, Turner e Monet para ver como pintaram paisagens da natureza, especialmente os rios. Ainda neste mês, serão também apresentadas as marinhas do brasileiro José Pancetti.

"A sujeira do rio será o pretexto para que os alunos viajem pela beleza dos mestres da pintura."

Mas a proposta dela é que, além de fazerem associações com as mais diferentes matérias como história, geografia e ciências, os alunos sejam estimulados em sua criatividade.

Por isso, as aulas vão tirar proveito do próximo projeto do artista plástico Eduardo Srur, que planeja colocar nas margens do Tietê imensas garrafas plásticas coloridas. Há alguns meses, Srur, que tem o hábito de fazer da cidade o cenário de suas obras, colocou, no rio, bonecos remando em canoas.

A beleza dos mestres da pintura vai ajudá-los a ver com outros olhos a feiúra do Tietê dentro da cidade de São Paulo. Uma feiúra que ressalta em comparação com o Tâmisa, agora limpo. Tão limpo que, há pouco tempo, uma baleia entrou em suas águas.

A decepção estética não vai estragar essa troca de imagens em que o Tietê vai até Londres -e Van Gogh até Paraisópolis.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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