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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
19/06/2005
Bom exemplo. Tudo começa aí

Com aproximadamente 120 mil habitantes espremidos em 1 milhão de metros quadrados (dois terços do parque Ibirapuera), Heliópolis, a segunda maior favela da América Latina, é um laboratório ainda desconhecido de prevenção à violência. Nessa favela, na zona sul de São Paulo, a taxa de assassinatos caiu, em quatro anos, pela metade.

Uma comparação entre os meses de janeiro a maio de 2001 e o mesmo período deste ano revela uma redução de precisamente 49% nos índices de violência. De acordo com os dados que obtive na sexta-feira, a situação continua a melhorar.

Um fato inusitado é suficiente para sintetizar esse verdadeiro laboratório a céu aberto: em janeiro passado, uma prisão desativada foi convertida em biblioteca. O espaço é hoje freqüentado por 600 alunos, que recebem gratuitamente aulas de inglês e computação, além de reforço escolar.

Uma mudança tão radical de cenário -saem os presidiários, que cumpriam pena, e entram as crianças, que lêem para adquirir conhecimentos- compõe uma obra de engenharia comunitária.

Enquanto Brasília, com seus "mensalões" e "mensalinhos", parece converter-se num inesgotável laboratório de contravenções, há experiências como a de Heliópolis que mostram como fazer muito com poucos recursos -a ponto de uma prisão virar biblioteca. A esta altura, parece deboche a nova campanha publicitária do governo federal, intitulada "Bom exemplo: tudo começa por aí".

Já abordamos aqui o caso do Jardim Ângela, em São Paulo, bairro considerado a região mais violenta do planeta. De 2001 até a semana passada, o índice de assassinatos tinha caído 75%. É um caso semelhante ao de Diadema, que, até 2002, estava em primeiro lugar no ranking das cidades mais violentas do Estado de São Paulo. Desde então, a taxa de homicídios caiu 65%.

Heliópolis, Jardim Ângela e Diadema são alguns dos exemplos que compõem o que há de mais engenhoso em tecnologia comunitária. Destoam, felizmente, do clima de fim de festa brasiliense, em que a regra, na área social, é o desperdício.

Heliópolis mostra, na prática, o retorno alto de investimento em capital humano.
Líderes locais ajudaram a formar policiais capazes de entender os segredos da favela.

Criou-se um posto de policiamento comunitário. Um pastor, Carlos Altheman, coordenou as demandas por mais segurança. "As pessoas perderam o medo e passaram a denunciar mais", diz o pastor, autor da idéia de fazer da carceragem uma biblioteca.

A principal associação de Heliópolis (Unas) promove campanhas contra a violência, com passeatas pela paz. Conseguiram atrair um dos mais importantes arquitetos brasileiros -Ruy Ohtake- para ajudar a embelezar a paisagem sombria. Numa das ruas principais, o arquiteto pintou todas as casas, compondo um imenso painel colorido. "Todos querem agora embelezar suas casas", conta Ruy.

Seguindo a receita já testada em muitos lugares para reduzir a violência, acoplou-se, em Heliópolis, o policiamento comunitário à maior oferta de programas para crianças e adolescentes, nos quais se trabalham questões como a das drogas e a da gravidez precoce, além de ser realizada a mediação de conflitos.

Atuando dentro da favela, o diretor da Escola Municipal Presidente Campos Salles, Braz Rodrigues Nogueira, está conseguindo atrair as mais diversas parcerias -inclusive a de universidades- para ajudar em programas de complementação. Para intensificar essa costura, Braz usa o pouco tempo vago fazendo, de noite, um curso de pós-graduação em pedagogia comunitária -ou seja, estuda sobre os meios de transformar o entorno da escola em um espaço educativo. "Muita coisa está à mão, bem perto da gente", diz ele.

Um "case" de pedagogia comunitária foi o roubo de todos os computadores da escola. "Não sobrou nenhum", lembra ele, que saiu pela favela falando com as pessoas sobre a importância dos computadores para o aprendizado das crianças. Resultado: dois dias depois, todos os equipamentos estavam de volta. E devidamente instalados.
Com seu péssimo exemplo, Brasília mostra o Brasil das impossibilidades; Heliópolis, Jardim Ângela e Diadema, bairros devastados pela violência e pela miséria, exibem o Brasil das possibilidades.

PS - Por falar em possibilidades, foram divulgados, na sexta-feira passada, números sobre a queda dos índices de violência nas escolas públicas abertas para a comunidade nos fins de semana. Esse projeto envolve as mais diversas parcerias: associações de bairro, governo estadual, entidades internacionais, fundações empresariais. É uma obra coletiva. Desde o início do programa, caiu 36% o número de ocorrências policiais em torno das escolas. Naquelas que desenvolveram um projeto de protagonismo juvenil (um consórcio formado pelo Instituto Ayrton Senna e fundações empresariais), nas quais estudantes são capacitados para desenvolver ações comunitárias, a queda da violência foi ainda maior. O índice de agressões físicas caiu 55%; o de ameaça a professores, 57%. Diminuíram os registros de posse de arma dentro da escola (62%) e os de depredações, 43%.


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Colunas originalmente publicadas na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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