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REFLEXÃO


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folha de s. paulo
20/03/2005
Vacina contra violência funciona

Iniciada há quatro anos na cidade de São Carlos, no interior de São Paulo, uma experiência está conseguindo inventar uma vacina contra a violência e reduzir os níveis de delinqüência juvenil.

Consultei diferentes técnicos, acadêmicos e dirigentes de entidades não-governamentais. Consideraram a experiência, em maior ou menor grau, uma fonte de inspiração para evitar que o jovem entre no círculo vicioso da delinqüência. "É um caso de inegável sucesso", afirma o presidente da Fundação Abrinq, o advogado Rubens Naves, um dos maiores estudiosos brasileiros do tema da privação de liberdade entre crianças e adolescentes. É fácil entender a unanimidade em torno da "vacina" de São Carlos.

A taxa de reincidência criminal dos adolescentes atendidos naquela cidade é de 2,7%; a média paulista é de 33%. O número de roubos cometidos por eles caiu 70%; o de homicídios despencou 86%.

Tais informações parecem até milagrosas (ou mentirosas) quando confrontadas com as crônicas imagens, reprisadas na sexta-feira, de rebeliões de adolescentes presos na região metropolitana de São Paulo. "Todos temos de aprender com eles", diz o historiador José Fernando da Silva, presidente do Conanda (Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente), entidade que reúne representantes dos principais ministérios sociais e de organizações da sociedade. "Não há dúvida de que eles têm o mapa da mina", afirma o presidente da Febem paulista, Alexandre de Moraes.

Não há, porém, nenhum milagre nem mentira, mas apenas a execução do óbvio.

A história começou numa tragédia. Em outubro de 1999, o padre salesiano Agnaldo Soares Lima e o juiz da infância João Baptista Galhardo, ambos de São Carlos, estavam em São Paulo, quando explodiu uma rebelião gigantesca nas instalações da Febem que fica localizada nas proximidades da rodovia dos Imigrantes. "Foram cenas de terror", lembra-se Agnaldo, que, com o juiz, tentou ajudar os jovens de São Carlos que estavam presos.

Ao voltarem para casa, o juiz e o padre estavam decididos a fazer algo em São Carlos que funcionasse na prevenção à delinqüência juvenil.

Sensibilizaram políticos, associações comunitárias e empresários locais. Articularam, então, uma aliança entre a prefeitura e a Febem para a criação de um projeto experimental, batizado de NAI (Núcleo de Atendimento Integrado), que viria a funcionar em 2001, durante a gestão do PT, cujo prefeito (Newton Lima Neto) foi reeleito no ano passado.

A criança deveria ser atendida e encaminhada com rapidez a uma rede integrada de serviços. Um acordo com o Poder Judiciário assegurou que a prisão, administrada pela Febem em São Carlos, deveria ocorrer só em último caso. Antes disso, seriam oferecidas penas alternativas, como a liberdade assistida, a semiliberdade e a prestação de serviços comunitários. "Um dos pontos essenciais é que a primeira coisa que fazemos é envolver a família", informa o padre Agnaldo.

O NAI é uma porta de entrada para o jovem infrator, onde ele, em poucos dias, toma conhecimento da pena. A rapidez reduz a sensação de impunidade.

A agilidade ocorre em razão da integração dos serviços. Num único espaço, estão juiz, delegado, promotor, defensor público, conselheiro tutelar e assistente social.
Soma-se à rapidez da sentença uma rede de serviços para a execução de medidas educativas. Também estão no prédio do NAI representantes das secretarias da Educação, da Cultura, da Saúde e dos Esportes, além de entidades assistenciais da comunidade.

Toda essa rede é algo que poderia ser comparado com um "poupa-tempo", em que se tiram, sem mudar de repartição, os mais diversos documentos.

Crianças e jovens são divididos em pequenos grupos. A prisão, administrada pela Febem, tem capacidade para 15 internos. "Conhecemos todos pelos nomes", afirma padre Agnaldo.

Esse atendimento a grupos pequenos e personalizados facilita, por exemplo, que se tente integrar o jovem à escola regular, o que, entretanto, nem sempre é fácil, pois muitos professores têm dificuldade de lidar com esse tipo de aluno e as escolas não sabem como incluí-lo.

"Aprendi que o jovem reage de acordo com forma como é encarado. Se for visto como um malandro, ele se comportará como um malandro", analisa Agnaldo.

Há uma série de lições a serem extraídas dessa experiência. Muitas delas são óbvias: o papel da família, a oferta de apoio da comunidade, a articulação em rede dos serviços públicos, a ênfase na prevenção e na educação.

A mais importante das lições é a seguinte: o sucesso está na gestão liderada do âmbito local, centrada na prefeitura. Se os prefeitos não assumirem seu papel na produção de capital social, nunca teremos "vacinas", teremos apenas venenos.

PS - Foram necessários anos de rebeliões para o governo estadual anunciar, na sexta-feira, o óbvio: o fim das grandes unidades prisionais. Reformar aquelas estruturas é tão eficiente para afastar o mau cheiro quanto espargir perfume no lixo.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
   
 
 
 

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