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REFLEXÃO


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urbanidade
20/04/2005
Cabeça-feita

Jorge Zanbotti tinha tudo para dar errado. Até os 28 anos de idade, vivia na casa da mãe, não trabalhava nem estudava. À noite saía com as namoradas para as baladas. Só acordava depois do meio-dia e, nas tardes, distraía-se nas academias de luta. Praticava jiu-jitsu, capoeira e boxe.

Ombros largos, pescoço grosso e braços musculosos cultivados nas academias de luta, Jorge teve dificuldade de se acostumar com a idéia de que, para sobreviver, precisaria virar cabeleireiro. "Se alguém me dissesse que, no futuro, eu seguiria essa profissão, teria achado a previsão uma maluquice." A surpreendente travessia do ringue ao salão de beleza se deve à mãe dele.

Trabalhadora e viúva, ela estava cansada da vagabundagem do filho. Deu-lhe um ultimato: se não começasse a fazer alguma coisa na vida, Jorge deveria ir procurando outro lugar para morar. "Senti que ela estava falando sério."

Passou então numa unidade do Senac, próxima de sua casa. Para começo imediato, havia vagas para informática e cabeleireiro. "Informática ia me tomar o tempo. Fiz a matrícula no curso de cabeleireiro." Imaginava que, com isso, iria enrolar até que a mãe ficasse mais calma.

A reação unânime dos amigos de academia era "você-está-maluco?". Então, com um sorriso de esperteza no rosto, explicava a trama. Errou. A mãe foi num salão de beleza, ali mesmo no bairro, e arrumou vaga de estagiário para o filho. "Eu detestava ficar mexendo no cabelo dos outros. Fiz alguns testes em meus parentes e foi uma tragédia."

Como não via saída para ganhar dinheiro e não queria enfrentar a fúria materna, Jorge não escapou. Oscilando entre o tédio e desastres estéticos, foi tocando a profissão até que conheceu o badalado cabeleireiro Mauro Freire, disposto a aceitá-lo como aprendiz. "De repente, estava gostando daquilo."

Gostou tanto que fez vários cursos e montou seu próprio salão, onde, na maioria dos dias, está cheio de clientes. De sua experiência, aprendeu o seguinte, o que muitos professores tarimbados não aprenderam: "Qualquer indivíduo sempre tem um talento. É só dar a chance".

Desse aprendizado, surgiu uma política de recursos humanos em seu salão: abrir pelo menos duas vagas para adolescentes que sabem o que fazer na vida. Seu atual assistente é um ex-engraxate que queria sair das ruas e não tinha a menor idéia do que poderia fazer - exatamente como Jorge no passado.


Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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