Jorge Zanbotti tinha tudo para dar
errado. Até os 28 anos de idade, vivia na casa da mãe,
não trabalhava nem estudava. À noite saía
com as namoradas para as baladas. Só acordava depois
do meio-dia e, nas tardes, distraía-se nas academias
de luta. Praticava jiu-jitsu, capoeira e boxe.
Ombros largos, pescoço grosso e braços musculosos
cultivados nas academias de luta, Jorge teve dificuldade de
se acostumar com a idéia de que, para sobreviver, precisaria
virar cabeleireiro. "Se alguém me dissesse que,
no futuro, eu seguiria essa profissão, teria achado
a previsão uma maluquice." A surpreendente travessia
do ringue ao salão de beleza se deve à mãe
dele.
Trabalhadora e viúva, ela estava cansada da vagabundagem
do filho. Deu-lhe um ultimato: se não começasse
a fazer alguma coisa na vida, Jorge deveria ir procurando
outro lugar para morar. "Senti que ela estava falando
sério."
Passou então numa unidade do Senac, próxima
de sua casa. Para começo imediato, havia vagas para
informática e cabeleireiro. "Informática
ia me tomar o tempo. Fiz a matrícula no curso de cabeleireiro."
Imaginava que, com isso, iria enrolar até que a mãe
ficasse mais calma.
A reação unânime dos amigos de academia
era "você-está-maluco?". Então,
com um sorriso de esperteza no rosto, explicava a trama. Errou.
A mãe foi num salão de beleza, ali mesmo no
bairro, e arrumou vaga de estagiário para o filho.
"Eu detestava ficar mexendo no cabelo dos outros. Fiz
alguns testes em meus parentes e foi uma tragédia."
Como não via saída para ganhar dinheiro e não
queria enfrentar a fúria materna, Jorge não
escapou. Oscilando entre o tédio e desastres estéticos,
foi tocando a profissão até que conheceu o badalado
cabeleireiro Mauro Freire, disposto a aceitá-lo como
aprendiz. "De repente, estava gostando daquilo."
Gostou tanto que fez vários cursos e montou seu próprio
salão, onde, na maioria dos dias, está cheio
de clientes. De sua experiência, aprendeu o seguinte,
o que muitos professores tarimbados não aprenderam:
"Qualquer indivíduo sempre tem um talento. É
só dar a chance".
Desse aprendizado, surgiu uma política de recursos
humanos em seu salão: abrir pelo menos duas vagas para
adolescentes que sabem o que fazer na vida. Seu atual assistente
é um ex-engraxate que queria sair das ruas e não
tinha a menor idéia do que poderia fazer - exatamente
como Jorge no passado.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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