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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
22/08/2005
O ano em que redescobri o Brasil

Para baratear o custo das eleições e reduzir a tentação do caixa dois, senadores aprovaram, na quinta-feira, uma série de medidas capazes de elevar a educação do brasileiro. Entre outras propostas está a de pôr fim na pirotecnia que se vê no horário eleitoral. Os candidatos teriam de aparecer sem trucagens nas telas e estariam proibidos de fazer "showmícios" e de distribuir brindes. Força-se assim a discussão de idéias e de programas de governo; valorizam-se as sabatinas e os debates promovidos pelos meios de comunicação ou pelas entidades da sociedade civil. Ainda que não seja a cura da demagogia e da empulhação, já é um filtro.

Embora ainda não tenham sido aprovadas, essas medidas são, até agora, o fato mais positivo de toda essa crise gerada pelas denúncias de corrupção. São, entretanto, um ínfimo detalhe de um movimento muito maior: a rebelião da sociedade brasileira contra as mais diversas modalidades de impunidade.

O pacote antipirotecnia foi um dos fatos que me levaram à escolha do título desta coluna. Temi estar exagerando, forçando a barra. Puxei pela minha memória de 30 anos de jornalismo, boa parte dos quais acompanhando os bastidores do poder, consultei alguns livros sobre algumas crises nacionais. Fiquei então seguro em dizer que, para mim, 2005 é o ano da redescoberta do Brasil.

Desafio qualquer estudioso a provar que, em qualquer período de nossa história, tanta gente tenha combatido, como agora, com tanta intensidade, os mais diversos tipos de impunidade. Desta vez, o alvo são não apenas governos mas diferentes setores da sociedade. Não é necessário ir longe. Basta ver o que ocorreu na semana passada.

Na semana passada, 70 fiscais estavam investigando a Daslu para tentar descobrir sonegação de impostos. No Rio, jogadores de futebol tinham de dar explicações sobre relacionamento com um traficante de drogas; um famoso doleiro, dublê de socialite, foi preso, a pedido do Brasil, no exterior; outro doleiro revelava esquemas de transferências de recursos para os políticos; o principal marqueteiro do país não conseguiu preservar sua própria imagem e perdeu as contas que mantinha com o governo; um empresário (Rogério Buratti) deu ainda mais detalhes sobre esquemas de financiamento de campanha eleitoral e implicou o ministro da Fazenda, que negou as acusações; Delúbio Soares acabou confessando que recursos clandestinos iam para a campanha presidencial; Edinho, filho de um dos maiores ídolos brasileiros, prestava depoimento, acusado de tráfico de drogas. Repito: são fatos só da semana passada. Parece muito? Não exagero, mas esses são detalhes de um movimento que pretende enfrentar a impunidade nacional.

Foi neste ano de 2005 que se conseguiu, graças à articulação da sociedade, evitar o aumento de impostos. Foi também quando se barrou, mais uma vez pela pressão popular, o aumento de salário dos deputados. Foi o ano em que, pela primeira vez, se informou ao governo o seguinte: se quiser dinheiro, reduza os gastos ou gaste melhor os recursos.

Este é também o ano em que estamos vendo experiências de redução do número de assassinatos, resultado de mais empenho da polícia articulada com comunidades. É o que está ocorrendo na região metropolitana de São Paulo, algo que nem de longe é obra só de governo. Vimos, em todo o país, o que significaram algumas iniciativas, como abrir as escolas nos fins de semana, para a redução da violência.

Com os ataques a Palocci na sexta-feira, disseminou-se o temor de que a crise política vazasse para a economia. Mesmo que isso venha a ocorrer, não será uma catástrofe. Faz parte do aprendizado nacional o receio de populismos, messianismos e salvacionismos.

Neste ano de 2005, redescobrimos um país que se rebela não contra um governo, mas contra sua história de impunidade, a qual explica, pelo menos em parte, por que somos tão ricos e, ao mesmo tempo, tão pobres. Já não é tão fácil sonegar, sustentar caixinhas de políticos, manter contatos, mesmo que de amizade, com delinqüentes e traficantes de drogas. O que se persegue, em essência, é bem mais que o combate à ladroagem. Persegue-se um país mais responsável. Nossa paciência para o "jeitinho" -uma das faces da impunidade- está acabando.

É em 2005 que estamos vendo que governos e governantes podem ser menores que as crises, mas o Brasil é maior.

PS - Caros senhores do poder, preparem-se. A tendência natural é que essa rebelião evolua para atacar a grande mazela brasileira: o gigantesco peso do Estado nas costas do cidadão. A próxima fase é a descoberta, em detalhes, de como gastamos tanto para sustentar governos que devolvem tão pouco. Estamos entrando na era não mais da ojeriza pela corrupção, mas da denúncia da incompetência. Vamos descobrir, por exemplo, por que se gasta tanto na área social e ainda existe tanta miséria ou por que nossos estudantes não sabem ler nem escrever como deveriam saber. Essa, sim, será a grande redescoberta brasileira.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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