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REFLEXÃO


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urbanidade
24/05/2006
Calçada da infâmia

Até dois anos atrás, fazer sucesso na madrugada era uma total improbabilidade para Facundo Guerra, 32 anos, formado em engenharia de alimentos e jornalismo, com mestrado em ciência política. A improbabilidade se devia menos à sua formação profissional, mas ao fato de que ele tinha o hábito de dormir cedo, não se animava em ficar de conversa em bar e nem ia freqüentemente a baladas. Estava acostumado ao ambiente rígido das empresas multinacionais, nas quais tinha trabalhado.

"Depois de ficar desempregado, decidi mudar de vida e arrisquei quase toda a minha poupança." Facundo foi mais longe e decidiu arriscar suas economias numa rua em que, para muitos, seria também improvável uma casa noturna capaz de atrair gente descolada dos Jardins e da Vila Olímpia dar certo. "Aprendi que, nos dias de hoje, devemos estar sempre abertos a mudar de carreira." Na próxima semana, ele vai comemorar o seu desvio dessas duas improbabilidades, ao apresentar um festival de música para lembrar o primeiro aniversário do Clube Vegas.

Quase diariamente a casa está no máximo de sua lotação e mudou um pedaço da paisagem humana daquele trecho da rua Augusta, dominado por prostitutas e por seus clientes. "Muita gente dizia que iríamos quebrar a cara, que os clientes que queríamos atingir não iriam para aquela região."

Barão de Itararé
Reflexo do Vegas, surgiu, neste ano, nas imediações, o restaurante Barão de Itararé, interessado num público que gosta da movimentação de tribos alternativas que cir-culam pela Augusta. A própria comemoração de aniversário será uma amostra daquela inesperada combinação de públicos. Estão sendo alugadas temporariamente mais quatro casas noturnas ao lado do Vegas, e cada qual terá um tipo de música; estão sendo convidados DJs estrangeiros. "Não queríamos parecer arrogantes e sempre tratamos de respeitar nossos vizinhos."

Talvez por causa disso, o clube passou a atrair, no fim da madrugada, a vizinhança que, até então, só estava trabalhando. Depois que as prostitutas param de trabalhar, algumas delas vão ao Vegas apenas para se divertir e soltar, de verdade, o corpo.

"Essa mistura de tribos e classes sociais é um pouco do que eu acho que deve ser uma cidade." Por causa dessa visão, Facundo está pensando em deixar, na própria calçada, um painel dessa combinação, numa espécie de sátira das calçadas da fama, feitas para celebridades. Seriam espalhados pedaços de cerâmica, nos quais as pessoas que freqüentam aquele trecho controverso da Augusta escreveriam seus nomes e ficariam, pelo menos ali, na memória de uma comunidade. Só que, dessa vez, o nome bem-humorado do projeto é calçada da infâmia.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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