HOME | NOTÍCIAS  | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS


REFLEXÃO


Envie seu comentário

 

urbanidade
24/08/2005
Tietê florido

O rio Tietê fazia parte da paisagem diária da menina Rosa Klias, filha de imigrantes europeus. O bonde que a levava para a escola saía de Santana, onde morava, cruzava por cima do rio e seguia até o parque Dom Pedro. Eram os tempos em que ainda se viam nadadores disputando torneios naquelas águas. Para Rosa, aquele cenário transformou-se numa de suas grandes decepções. "Esse é um dos assuntos que sempre me deram raiva."

Essa raiva tem origem no massacre das lembranças infantis -o bucólico Tietê virou um esgoto- que se soma à escolha profissional de Rosa Klias, integrante das primeiras turmas do curso de arquitetura da Universidade de São Paulo. Ela preferiu seguir a carreira de paisagista, que lhe trouxe reconhecimento dentro e fora do Brasil. São dela, por exemplo, os projetos paisagísticos da avenida Paulista, do vale do Anhangabaú e, mais recentemente, do parque da Juventude (antigo Carandiru). "Poderíamos ter feito um dos maiores parques urbanos do mundo", lamenta.

Se não tivessem construído as avenidas marginais ao longo dos rios Pinheiros e Tietê, São Paulo, segundo ela, seria muito diferente. "Mataram os rios e perdemos a chance de ter nossa maior área de lazer." Na sua visão de paisagista, aquela orla seria a praia do paulistano.

Daí se mede o que ela sentiu quando foi chamada, neste ano, para fazer uma intervenção nas margens do Tietê. "Não acreditei." Logo percebeu que aquela terra era imprestável e seria inviável substituí-la. Vislumbrou, então, a possibilidade de criar um imenso jardim, cultivado em jardineiras ao longo das duas margens do rio, numa extensão de 50 quilômetros. O tipo de arbusto que escolheu propicia que as jardineiras fiquem cobertas de flores das mais diversas cores durante o ano todo.

São Paulo jamais vai voltar a ter bonde; o parque Dom Pedro, por mais que seja reformado, nunca mais terá o charme de antigamente; só em sonho é possível conceber pessoas nadando de novo nas águas do Tietê. Rosa imagina, porém, que, quando as flores estiverem brotando, ela vai ter, nem que seja por instantes, a sensação da menina dentro do bonde, encantada com a paisagem de um rio.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

COLUNAS ANTERIORES
22 /08/2005
O ano em que redescobri o Brasil
17/08/2005 Terapia dos gansos
16/08/2005 O show não faz bem aos políticos
15/08/2005 Dores de parto
12/08/2005 Lula termina o mandato?
11/08/2005 Demagogia barata
10/08/2005 Aposentadoria divertida
09/08/2005 A invenção do professor-visitador
08/08/2005 Lula é a mãe
03/08/2005 Meninas da esquina