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REFLEXÃO


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folha de s. paulo
25/04/2005
Judeus e japoneses são mais inteligentes?

Com base em dados do IBGE, o professor de Economia do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marcelo Paixão constatou que os judeus brasileiros têm um nível de renda, escolaridade e expectativa de vida superior ao dos noruegueses, os campeões mundiais de desenvolvimento humano.

Criado pela ONU para medir a evolução social dos países, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é composto de três critérios: expectativa de vida, renda e escolaridade. Nenhuma nação bate a Noruega.

A vantagem dos judeus brasileiros ocorre especialmente por causa do quesito escolaridade: acima dos 25 anos de idade, 63% deles estão cursando ou já concluíram o ensino superior. "Admito que os dados me surpreenderam", conta Marcelo Paixão, economista com mestrado em engenharia de produção, que se prepara para apresentar, no próximo mês, tese de doutorado em sociologia sobre desigualdade e questões étnicas no Brasil.

Pedi ao professor Marcelo Paixão para calcular o IDH dos judeus depois de ler reportagem de Antônio Góis, publicada na Folha, na semana passada, com dados sobre orientais que vivem no Brasil - esse é um detalhe da tese de doutorado do professor. O IDH deles, em sua maioria descendentes de japoneses, coreanos e chineses, é similar ao do Japão, pouco abaixo da Noruega.

Judeus, japoneses, coreanos, chineses, como a imensa maioria dos imigrantes, chegaram ao país sem dinheiro, fugindo da miséria e da perseguição, sem falar a língua portuguesa e sem entender os costumes locais. Por que progrediram tanto?
Não há nenhum segredo na prosperidade desses imigrantes. Muitos menos qualquer base para se especular sobre uma suposta superioridade étnica ou racial. Além de tirar proveito de um país em crescimento, beneficiaram-se da mistura de supervalorização da educação com o envolvimento da família e da comunidade no aprendizado de suas crianças e adolescentes. Compartilhar responsabilidades com a escola é uma medida de capital social, ou seja, da rede de relação de confiança entre os indivíduos para enfrentar desafios.

No caso dos orientais, existe uma tradição cultural baseada no filósofo Confúcio (551-479 a.C), que determinava a reverência à educação e o culto à meritocracia. O confucionismo pregava também a disciplina -o que dá para entender o rigor que perdura nas escolas do Japão e da Coréia do Sul, por exemplo. Um sinal explícito dessa reverência é o respeito ao professor. A começar do professor primário, cultuado porque, afinal, é o responsável pela alfabetização.

A relação dos judeus com o aprendizado está sintetizada no ritual iniciatório (bar-mitzvá) de passagem da vida infantil para a adulta, realizado quando o jovem tem 13 anos. Nesse ritual não se pede um gesto de coragem ou de bravura, mas apenas a leitura de um livro (Torá). Ou seja, sem o domínio da língua não existe saída da infância. Essa obrigação ajudou que a taxa de analfabetismo entre os judeus fosse irrisória. A reverência à escrita e à leitura fez com que os judeus montassem a primeira rede pública de que se tem notícia na humanidade.

Não existe superioridade racial ou étnica. O que existe é a combinação da valorização do saber com capital social: dá resultados, em maior ou menor grau, em todos os lugares, independentemente do credo, raça e nacionalidade. Se, obviamente, os países oferecem escolas melhores, os resultados dessa ligação serão melhores. Mas, para as escolas públicas serem melhores, é necessário que a sociedade ou, pelo menos, sua elite, acredite no valor supremo da educação.
O IDH de nossos judeus e orientais ensina que o futuro do Brasil está menos nas mãos dos economistas do que dos educadores. Educadores não são apenas professores, mas todos aqueles capazes de fazer a química do aprendizado, colocando juntas família, escola e comunidade como se fossem um ambiente articulado e inseparável.

Isso significa, entre outras coisas, campanhas conscientizando os pais para se envolverem no aprendizado dos filhos, a abertura de espaços complementares à escola (os meios de comunicação incluídos) para manter nossos alunos estudando mais tempo e a formação de professores que saibam não só dar aulas, mas entendam de educação comunitária. Exige-se uma nova função no magistério: cada escola deve ter pelo menos um profissional treinado para saber envolver as famílias e a comunidade.

Imaginar que a salvação da educação pública está apenas na sala de aula é somente mais uma, entre tantas, manifestações de ignorância de uma nação, cujo IDH está, não por acaso, em 62º lugar -abaixo de nações mais pobres do que o Brasil.

PS- Um ótimo contra-exemplo de falta de atenção comunitária. Foram instalados 250 estúdios de rádio em escolas municipais de São Paulo, para ajudar os alunos a desenvolver habilidades de expressão. O que, em tese, é uma ótima idéia. A Universidade de São Paulo treinou 10 mil professores. Gastaram-se R$ 6 milhões. Mas ninguém sabe (quando falo ninguém não é exagero) quantas escolas estão usando os equipamentos nem como estão sendo usados. Há informações de que muitos estão lacrados; outros estão fora das caixas. Mas os professores não sabem como utilizá-los. Fala-se também que muitas peças sumiram ou foram roubadas. Para piorar, ninguém sabe, por enquanto, o que fazer para salvar todo esse investimento.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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