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REFLEXÃO


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urbanidade
25/08/2004
A.

Durante 17 dias, Expedito Franzana passou por uma das maiores dores a que se pode submeter um pai: seus dois filhos, um de 13 e outro de dez anos, foram mantidos num cativeiro depois de arrancados do ônibus escolar. Ao contrário do que ocorre com a maioria das famílias vítimas de seqüestro, ele, além de não querer deixar a cidade, diz sentir-se de certa forma culpado. "Percebi como eu vivia tranqüilamente e sem me sentir responsável pelo que acontece numa sociedade que estimula o crime."

Expedito Franzana encara os seqüestradores dos filhos como vilões e, ao mesmo tempo, como vítimas. Um deles tinha saído da prisão 60 dias antes, depois de cumprir pena de 20 anos na cadeia. "Se esse sujeito tivesse procurado emprego na minha empresa, eu teria recusado."

A identificação de Expedito tem, em parte, explicação em sua própria trajetória de vida. Filho de agricultores, ele nasceu numa pequena cidade do interior de Santa Catarina, de 25 mil habitantes, chamada Fraiburgo. Saiu de lá contra a vontade dos pais. Chegou a São Paulo sem dinheiro e, em certos períodos, ficou desempregado.

"Senti o que era a angústia da falta de perspectiva." Numa tentativa desesperada, vendeu a única propriedade que tinha -um automóvel- e comprou um pequena loja de material de construção. "Descobri meu talento." Desde então, enriqueceu. "Devo tudo o que tenho à cidade."

Mas, naqueles 17 dias, terminados nesta semana, ele temeu que essa mesma São Paulo tirasse o que ele tinha de mais importante. Quando os seus filhos estavam no cativeiro, Expedito sentia-se um personagem de um filme. "Ouvimos tanto falar em seqüestros e achamos que nunca vai acontecer com a gente. Até que, de repente, somos sacudidos pela realidade, saímos da platéia e somos projetados para dentro da tela."

Seu filho mais velho, A., inicial que lhe foi dada na reportagem da jornalista Sílvia Corrêa, da Folha, tem a quem puxar. No Dia dos Pais, quando ainda estava no cativeiro, A. parecia mesmo personagem de um filme ao perguntar a um dos seqüestrados se tinha filhos. Diante da resposta positiva, A. deu-lhe os parabéns e um abraço. O gesto tocou os seqüestradores, que levaram a carta que o menino escreveu, naquele dia, a seus pais.



Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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