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REFLEXÃO


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folha de s. paulo
27/03/2005
Cidade produz desemprego abaixo de zero

Com 119 mil habitantes e localizada a 509 quilômetros a noroeste da cidade de São Paulo, Birigüi não se afeta com a estatística divulgada pelo IBGE, na semana passada, indicando aumento do desemprego nas regiões metropolitanas. A indiferença tem uma razão inusual, raríssima até: a cidade sofre com o desemprego abaixo de zero. Ou seja, excesso de trabalho e carência de trabalhadores.

Para não prejudicar seus negócios, Birigüi tem de importar mão-de-obra de 25 municípios da região, cujos prefeitos oferecem ônibus gratuitamente para levar e trazer empregados. Mesmo assim, não se preenchem as vagas mais qualificadas. "No final de ano, vai dando um desespero entre empresários. Falta gente para dar conta da produção", afirma o empresário Samir Nakad, principal dirigente patronal da cidade.

Tudo gira em torno de um único produto: calçados infantis. Em torno dele, Birigüi está construindo uma teia de conhecimentos que envolve governos federal, estadual e municipal, sindicato de patrões e de empregados, centros de pesquisa e universidade. "Esse arranjo está atraindo a atenção das pessoas interessadas em desenvolver vocações regionais", afirma João Carlos de Souza Meirelles, secretário da Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.

Envolvendo oito municípios, Birigüi é o centro de um pólo de calçados infantis com 166 fábricas, bombardeadas pela competição internacional; além da competição externa, sofreram, na década de 90, seguidos baques pelas crises internas, com seus juros altos. Muitas empresas desapareceram; outras sobreviveram com dificuldades.

Nos últimos anos, tratou-se de fazer um arranjo naquela vocação, no qual uma das partes mais importantes da operação foi educar empresários e trabalhadores.
A variedade é cardápio educacional e é o que está chamando a atenção de estudiosos para Birigüi.

O Ministério do Desenvolvimento patrocina um curso para ensinar os empresários a exportar. Com uma empresa de telefonia, colabora também em programa de e-learning em gestão para pequenas e microempresas.

Nas instalações emprestadas pelo Sesi, funciona um MBA (Master Business Administration) focado exclusivamente na formação de executivos para a indústria de calçados infantis.

Com apoio da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, foi criado um portal de troca de informações para os empresários, conectando-os virtualmente às três universidades estaduais paulistas: USP, Unicamp e Unesp. Passaram também a contar com a ajuda do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).

Uma faculdade de tecnologia (Fateb), patrocinada pela prefeitura, criou um projeto intitulado "fábrica de soluções". Empresários levam seus problemas concretos para discutir com seus professores.

Esse portal organiza o fluxo de informação e se presta para a troca de conhecimento entre os empreendedores.

A prefeitura criou uma incubadora de empresas, administrada pelo Sebrae, com o objetivo de aprimorar a gestão dos negócios. O Senai dá cursos para formação dos empregados e, neste ano, em acordo com os municípios, ganhará terrenos para triplicar a oferta de vagas.

O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Calçadista local firmou convênio para que seus associados freqüentassem os cursos. Vão agora encontrar mais uma opção: acaba de ser inaugurada uma escola técnica estadual para alunos com ensino médio.

Há mais uma cooperação entre empresários e trabalhadores: o banco de horas. Quando diminui a demanda, reduz-se a jornada de trabalho, compensada depois quando as encomendas voltam a crescer. "É mais uma ajuda para manter nossos preços competitivos", afirma Samir.

A Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) ensinou os empresários de Birigüi a formar uma cooperativa de crédito. O que, na prática, significa a redução da taxa de juros.

Nesse arranjo, o Banco do Brasil aceitou fazer uma linha especial de empréstimos e, para completar, o governo estadual reduziu impostos.

Todo esse esforço se traduz em números: as vendas internas e externas cresceram. O faturamento em 2004 chegou a R$ 1 bilhão; 33% a mais do que ano anterior; nesse período, a produção pulou de 230 mil calçados por dia para 250 mil. Cresce o número de importadores e de seus representantes que chegam à cidade, o que sugere mais negócios no futuro.

A mais importante tradução para o desemprego menos zero de Birigüi é a de que dinheiro em capital humano não é gasto, mas investimento. Ou seja, educação dá dinheiro.

PS- Se olharmos o Brasil por Brasília, como olhamos na semana passada, com a esperteza medíocre de seus Severinos, das barganhas ministeriais em que o critério não é competência mas conveniência, do desperdício de tempo, somos tomados pela sensação de que dificilmente sairemos do lodo social. Mas quando vemos o país através de exemplos como o da cidade de Birigüi, simbólica de gente que potencializa vocações, racionaliza e integra recursos, vemos que o que podemos ser quando colocamos a educação em primeiro lugar.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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