REFLEXÃO


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urbanidade
28/05/2008

Refundação da rua Augusta

Galpão abandonado será usado para ajudar a refundar espaço que parecia condenado
ao desperdício de talentos



Dominado à noite por prostitutas e travestis, em meio a mendigos estendidos nas calçadas, o início da rua Augusta, próximo da região central, era até pouco tempo atrás um dos símbolos da decadência paulistana -um de seus cheiros característicos era o de clorofila que vinha com o vapor das saunas das boates. Exatamente nesse trecho, Alexandre Youssef começa amanhã a tentar revelar novos talentos. "Ali está o futuro", afirma, ao apostar numa espécie de refundação daquela rua.

O sentido da refundação está mais ligado à memória do que a qualquer vivência de Youssef -ele nunca viu esses tempos da Augusta, que, no passado, era o pólo de lançamento de modas da cidade, atraindo inovadores. "Basicamente, eu só vi problema." A vanguarda cultural que deixava a região do centro -o Bixiga também entrava em decadência- passou a girar em torno da Vila Madalena.

Ao ser responsável artístico por um novo espaço para reconhecimento e difusão de talentos musicais brasileiros, Youssef está fazendo um caminho de volta. Está deixando a Vila, levando o Studio SP, rumo ao centro. "Não vejo mais no bairro os artistas e os produtores de vanguarda."

A preparação para esse tipo de migração é resultado, de fato, de uma refundação da Augusta, provocada por uma rápida mudança de paisagem humana. Grupos de teatro se mudaram para a praça Roosevelt, casas de baladas como Vegas, Outs, Inferno e Studio Roxy trouxeram jovens de classe média, que estavam limitados às fronteiras do cine Unibanco, a poucos metros da avenida Paulista. Tudo isso vai se misturando agora a diferentes tribos de punks (uma deles de vegetarianos), intelectuais, jornalistas, emos, gays (duas casas de balada se especializaram apenas em lésbicas), cada qual com seus bares e restaurantes.

Abriu-se até um restaurante 24 horas. "É a melhor síntese da diversidade paulistana", diz Youssef, que conheceu a cultura subterrânea da cidade por ter sido assessor para assuntos da juventude na gestão Marta Suplicy na prefeitura.
O Studio SP nasceu dessa percepção da riqueza e da diversidade cultural da cidade, boa parte dela clandestina, e tratou de aliar música e arte urbana. Na prefeitura, Youssef foi um dos responsáveis pela disseminação da arte do grafite.

O projeto do Studio SP ficou pequeno para a Vila Madalena, na visão de Youssef. Os artistas novatos que lá se apresentavam reuniam, inicialmente, cerca de 50 pessoas. "Agora, às vezes atraem 400 espectadores. Precisávamos de um lugar melhor. Mas que tivesse a cara de uma cidade antenada."

Amparado por um grupo de empresários ligados à música e à culinária, ele não teve dúvida quando viu, pela primeira vez, uma galpão abandonado na rua Augusta -logo sentiu o gosto de ajudar a refundar um espaço que, até pouco tempo, parecia condenado não à descoberta, mas ao desperdício de talentos. Daí que uma das propostas do novo espaço é oferecer diariamente um show gratuito.


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Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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