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REFLEXÃO


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Folha de s.paulo
29/08/2005
Independência começa no berço

Na próxima quarta-feira , em Brasília, o Congresso vai assistir a uma inusitada "carrinhata" de bebês, levados por suas mães. Com o slogan a "Educação começa no Berço", a manifestação visa chamar a atenção para um dos maiores crimes sociais praticados no país. Apenas 11% das crianças de até três anos estão nas creches -e a maioria delas vem de famílias de maior poder aquisitivo. Em outras palavras, são 11 milhões de bebês sem creche.

Esse movimento, sustentado por 200 entidades, está tentando sensibilizar os parlamentares e os governantes para que invistam mais recursos na educação infantil. Neste momento de crise aguda, em que não se sabe nem mesmo se o presidente da República vai terminar seu mandato, uma passeata de bebês tende a passar despercebida ou a ser encarada como folclore. Nesse gesto, porém, está embutida uma discussão que é mais importante para o futuro do país do que o destino de Lula ou do PT.

E isso não só porque detalhados estudos mostram que as dificuldades de aprendizado começam no berço, por falta de estímulo (está aí, como se vê, uma das raízes da desigualdade). Há muito mais em jogo do que se imagina.

Paralelamente à articulação por mais recursos para a educação infantil, começou, neste mês, uma articulação de bastidores, que envolve empresários, intelectuais e dirigentes de entidades não-governamentais, em busca de um pacto.

Até maio do próximo ano, pretende-se lançar um manifesto com a assinatura de personalidades brasileiras e de dirigentes das mais diversas entidades da sociedade. Nesse documento estariam incluídos nomes de artistas, de jogadores de futebol, de membros da Fiesp, da Febraban, da CUT e da Força Sindical, de representantes de entidades estudantis, de professores, de reitores e de dirigentes municipais e estaduais.

O objetivo da iniciativa é ambicioso: fixar a educação como a prioridade das prioridades, apresentada como uma espécie de Abolição da Escravatura do século 21 e, ao mesmo tempo, como uma nova declaração de Independência. Exagero? Não. Indivíduos sem educação de qualidade sofrem severas limitações no exercício de seus direitos. São pessoas com baixa autonomia. Uma nação cuja maioria dos habitantes esteja nessa condição só pode considerar-se independente na teoria, porque, na prática, não o é.

O que se pretende é ir além do manifesto episódio. Metas devem ser estabelecidas e, a seguir, monitoradas, tal qual se faz com os números da inflação ou do crescimento econômico. Simbolicamente, nas discussões iniciais, é usado como referência o ano de 2022 . Como os brasileiros deverão estar educados no ano em que vamos comemorar o bicentenário da Independência? A idéia é monitorar anualmente indicadores de quantidade, ou seja, o número de matrículas realizadas da educação infantil, a começar das creches, ao ensino superior. Seria fixado, por exemplo, que, em 2022, nenhuma criança ficaria sem creche ou pré-escola.

Outro indicador seria o de qualidade. Uma excelente notícia é que, neste ano, o Ministério da Comunicação vai começar a aplicar testes de português e matemática na imensa maioria dos estudantes de quarta e oitava séries de 5.000 municípios brasileiros. Será não mais uma amostra, como tem sido até agora, mas um teste universal.

Com o avanço dos indicadores de avaliação da educação dos brasileiros, lançados na década de 1990, já é possível perseguir, com razoável grau de precisão e objetividade, metas de quantidade e de qualidade.

Surge, porém, outra questão, esta mais grave: será que o Brasil já está preparado o suficiente para fazer uma associação da educação com a escravatura e com a independência, mobilizando os governantes? Talvez sim. Parte do meu razoável otimismo vem das conversas que tenho tido com alguns dos mais importantes dirigentes empresariais e sindicais brasileiros. Eles estão aprendendo que o investimento em capital humano passou a ser tão importante quanto o investimento em capital físico (portos, aeroportos, máquinas, hidrelétricas). Mais e mais economistas têm demonstrado matematicamente esse efeito da educação no crescimento econômico e na distribuição da renda.

Alguns governadores e prefeitos têm patrocinado experiências interessantes para a melhoria das escolas, treinando professores, ajustando currículos à realidade dos estudantes e abrindo-se para a comunidade. Está nascendo, por exemplo, a figura do professor comunitário, que, partindo da escola, aprende a envolver as famílias, o bairro e a cidade no processo educativo. Estão aparecendo programas para formar melhores diretores.

É fato que cresce em todo o país o número de organizações e de voluntários dispostos a ajudar uma escola ou um estudante. É pouco ante as necessidades? O que dá combustível ao meu razoável otimismo é a conversa com gente que não pertence à elite, com as mães que vão levar seus bebês ao Congresso. Espalham-se nas regiões metropolitanas cursinhos pré-vestibulares gratuitos; milhões de adultos fazem supletivos à noite e nos fins de semana; explodem as matrículas no ensino médio; e disseminam-se cursos técnicos. Essa gente simples, que, muitas vezes, trabalha durante o dia e estuda à noite, sabe que sua independência está na razão direta de sua formação.

PS - Na semana passada, foram divulgados, num seminário, novos dados sobre experiências que envolvem família, escola e comunidade. É nisso que se monta a verdadeira blindagem contra as mazelas nacionais.

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Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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