REFLEXÃO


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urbanidade
29/10/2008

O piloto da vez

Agora, com a vida mais estabilizada, Eliseu vai voltar ao velho projeto; em 2009, fará vestibular para direito

Eliseu Bezerra nunca gostou de dirigir automóvel. Nem mesmo nos finais de semana, apesar dos insistentes apelos de sua mulher, que adorava passear. "Eu acabava cedendo, mas sempre dirigia resmungando." Um dos piores momentos da sua vida foi quando, há 18 anos, sem emprego e no limite do desespero, teve de ser motorista de táxi para sobreviver -essa decisão vai levá-lo amanhã ao seu momento de glória, quando receberá um prêmio das mãos de Lewis Hamilton, um dos mais importantes pilotos da Fórmula 1.

Hamilton vai entregar a Eliseu, 54, o prêmio Piloto da Vez, por fazer parte de uma experiência, na cidade de São Paulo, para que os motoristas bêbados não façam manobras perigosas, como se estivessem numa pista de corrida.

A demissão desmontou sua vida.

Até então, imaginava que trabalharia para sempre numa empresa metalúrgica. Matriculava-se nos mais diferentes cursos de aperfeiçoamento e nutria planos para atingir seu grande projeto: entrar numa faculdade de direito. Ficou sem emprego, com quatro filhos e, para piorar, estava construindo uma casa.

Como não conseguia vaga em nenhuma metalúrgica e o dinheiro da indenização evaporava com as obras da casa, vendeu seu automóvel para adquirir um táxi. "Daí se vê o tamanho do meu desespero."

Por falta de alternativa, aprendeu a não enlouquecer no trânsito. Sua fórmula: rezar. "Antes de sair de casa, faço orações para que Deus me dê equilíbrio."

As habilidades do ex-futuro advogado serviram para que Eliseu exercesse uma função na cooperativa em que trabalha (Central Comum Rádio Táxi) -além de motorista, atua na comissão de ética para ajudar a resolver conflitos. "Sou como se fosse um juiz. Ouço as partes e depois decido."

Ele participa de uma experiência para tornar o trânsito um pouco mais protegido dos motoristas que abusaram do álcool -o nome do projeto é Movimento Piloto da Vez.
Por causa de uma parceria com uma empresa (Diageo), a cooperativa oferece uma cota de viagens gratuitas para quem tomou doses a mais e não se sente em condições de dirigir. Por sua posição na comissão de ética, Eliseu foi escolhido para receber o prêmio das mãos de Hamilton.

Mas seu projeto é mesmo voar mais alto. Agora, com a vida mais estabilizada, os filhos quase criados -um deles virou também taxista-, Eliseu vai voltar ao velho projeto e, no próximo ano, fará vestibular para estudar direito. Para ele, é como se aí, sim, tivesse pilotado sua própria vida.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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