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parque ecológico
21/09/2004

Moradores se unem para salvar área verde preservada em favela carioca

São exatos 43.337m2 de área verde. Coisa rara numa favela, onde o crescimento desordenado das construções costuma ser responsável pelo desmatamento. Não é o que acontece na Vila do Pinheiro, uma das 16 comunidades da Maré, Zona Norte carioca. Depois de um ano de abandono, o Parque Ecológico da Vila do Pinheiro, criado em 2002, volta a ser muito bem cuidado. Tudo pela iniciativa dos moradores que decidiram preservar a mata que ainda existe na comunidade e tomar conta de tudo.

Planos para recuperar o parque não faltam. José Ednaldo do Nascimento, 38 anos, um dos membros da associação de moradores do Parque Ecológico da Vila do Pinheiro, que assumiu a administração do parque, anda buscando fechar parceria com a Pastoral da Criança para o plantio de um canteiro medicinal.

“Queremos criar uma farmácia com remédios feitos a partir de plantas. E dar início a formação de mudas que possam ser plantadas em locais desmatados, como debaixo da ponte da Linha Vermelha. Para isso, estamos pedindo ajuda da Fundação Parques e Jardins”, explica.

Os planos do pessoal da associação de moradores, criada há quatro anos, também incluem criar um curso de botânica, fazer um cadastramento das árvores do parque e montar uma biblioteca e um museu. Por enquanto, a idéia é que pelo menos dois funcionários do parque freqüentem um curso profissionalizante para mais tarde poderem repassar o que aprenderam aos demais.

Tudo começou, quando os moradores, cansados de ver a situação de abandono em que o parque se encontrava, resolveram agir. “Fizemos uma reunião e assumimos por conta própria tudo isso aqui”, explica Márcio Samary, 31 anos, presidente da associação de moradores local. Para formalizar a decisão, associação de moradores entrou com um pedido de adoção à Fundação Parques e Jardins, há quatro meses.

Agora, tal como acontece com diversas empresas, é ela quem tem a responsabilidade de manutenção do parque. Ao todo são sete voluntários, empenhados em preservar a área e conscientizar a comunidade de sua importância.

Grávida relaxa no parque
Aos poucos, estão conseguindo. O pessoal das redondezas está voltando a redescobrir o espaço e os garotos das vizinhanças até já disputam por ali partidas de futebol. E terão mais um motivo para estar lá no dia 12 de Outubro: está programado um abraço simbólico ao parque, com atividades e apresentação de artistas locais. Haverá também exibição do filme Os três zuretas, pelo projeto Cine Pop Brasil.

Vendo as mudanças, o casal de pernambucanos Josefa Cabral da Silva, 24 anos, e seu marido Alexandre José da silva, 26 anos, já começou a aproveitar. O casal passou a freqüentar a área, especialmente nos finais de semana, quando relaxa à sombra das árvores.

“Quando vim de Pernambuco, o parque ecológico já estava meio abandonado. Mas quando a minha filha nascer - estou com seis meses de gravidez - pretendo ver ela brincando e se divertindo aqui. Tem sido um trabalho e tanto, o deles. Essa é uma das belezas da Vila Pinheiro”, fala Josefa.

Os problemas ainda são muitos. “O Parque Ecológico da Maré ficou fechado durante um ano, o mato cresceu, as pessoas começaram a jogar lixo no local e, sem iluminação, a comunidade deixou de freqüentar. Todo o equipamento que existia, sem conservação, está se perdendo”, preocupa-se Paulo Henrique Bezerra da Silva, 18 anos, secretário da associação. Ele lembra ainda do horto-escola que já funcionou no local.

Ilha dos macacos
Para muitos moradores, o lugar ainda traz boas recordações. Mesmo antes de se tornar parque já era uma das poucas áreas verdes e de lazer na comunidade. “Isso aqui se chamava Ilha dos Macacos e funcionava como lugar de pesquisa da Fiocruz. Cheguei a vir de barco com meu pai”, lembra Márcio Samary. O vice-presidente da associação, José Dioniso Barbosa, 45 anos, também tem lembranças parecidas. “Eu vinha aqui em criança. Quando estava com meu pai, os macacos só observavam. Mas se eu vinha com outros garotos, os macacos corriam atrás da gente para dar cascudo”, conta.

Não é à toa que Márcio e seu amigos andam se mobilizando para buscar apoio e patrocinadores para preservar todo aquele verde. “Se tiver alguma firma ou empresário que queira entrar nessa luta pelo parque, em troca oferecemos propaganda em outdoors beirando a Linha Vermelha. Temos que salvar o parque urgente, antes que ele morra de vez”, preocupa-se.

Os comerciantes locais também estão sendo convocados a ajudar. “Quem fizer doações recebe um certificado de Amigo do Parque e da comunidade do Pinheiro. Nossa primeira etapa é conseguir uma roçadeira. Basta uma pessoa para cortar o mato”, explica Luís Carlos Santiago, 50 anos. Responsável por uma cooperativa de reciclagem na região, também resolveu fazer parte do grupo e ajuda a buscar doações.

Luz espanta medo
Muita coisa tem sido feita. Como toda área andava às escuras, os voluntários da associação de moradores se organizaram para montar uma nova iluminação para a área. Um conseguiu os fios, outro contribuiu com lâmpadas, outros entraram com a mão-de-obra. Unindo esforços, fizeram mutirão para consertar a fiação. “Ainda não está 100%, mas já melhorou bastante. Já dá até para passar por algumas áreas sem medo”, fala Márcio.

Wilson Bezerra da Silva, também membro da associação, explica que nada é feito às cegas. “Estamos sempre em contato com o pessoal da Fundação Parques e Jardins. Quando queremos fazer uma poda de árvores ou conserto do gradil, por exemplo, pedimos orientação e até técnicos”, fala.

Ainda há muito ainda por fazer. O mato cresceu livremente entre as plantas e, apesar de todos os esforços, em algumas áreas ainda está por cortar. Nessas horas, Márcio e José Dionísio deixam de lado a pompa dos cargos de presidente e vice da associação de moradores, para também arregaçar as mangas e pegar no pesado. “Estamos fazendo milagre aqui”, diz Márcio.

Um dos primeiros a se mexer, antes mesmo de o grupo se formar, foi Seu Otávio José Formando, 78 aos, que há tempos já limpara espontaneamente um canto no parque para plantar tomate, milho e feijão. “Vendo isso, o pessoal parou de jogar lixo”, conta, satisfeito.

A experiência com o plantio, ele traz dos anos em que trabalhou no quartel 24º Batalhão de Infantaria Blindada, na saída da Ilha do Governador, Zona Norte do Rio. “Cuidava dos jardins e do campo de futebol. Uma vez mostrei ao sargento como as plantas, antes tristes, ficaram alegres depois que eu molhei. Lembro que ele respondeu: ‘Deus te abençoe pelo carinho. Plantas são vida’”, diz.

Parque estava 'sinistro'
Os esforços de Seu Otávio incentivaram outros, como Manuel José da Silva, 77 anos, que há dois meses também tornou-se voluntário na horta do parque. Dos muitos anos na roça, no interior da Paraíba, Seu Manuel logo estava também fazendo seu próprio roçado no parque. “Tudo que sei fazer é cuidar da terra, plantar bananeira, jaca, laranja...”, diz. Ambos recebem R$ 50 para ajuda de custo e compra de uma cesta básica. E levam para casa os frutos de seu trabalho. Logo, estarão fazendo a primeira colheita de tomate.

Enquanto isso, José Perez, 44 anos, procura dar conta das outras tarefas que aparecem. “Os moradores daqui ficam admirados com nosso trabalho. Antes, a Fundação Parques e Jardim tinha oito funcionários e um encarregado geral. Agora, somos três e até o José Ednaldo, administrador do parque, pega no pesado. Tem lugar aqui que às vezes é preciso até dois dias para concluir o serviço”, fala.

José Perez faz de tudo que for preciso: troca lâmpadas, varre, poda árvores. Em troca, recebe R$ 300 mensais. As 'bolsas' são todas pagas com a ajuda de doações de comerciantes locais.

O mesmo que ganha Marcos Antônio Fernando, 37 anos, que há dois meses também vem dando duro no parque. “Todo mundo admira nosso trabalho. É legal ver que as pessoas estão
elogiando. Até porque quando assumimos, o parque ecológico estava sinistro, o mato tinha mais de um metro de altura e algumas áreas estavam destruídas”, fala.

Para conseguir recursos, um dos planos da associação é instalar um garajão - estacionamento pago no terreno nas proximidades da B-9, beirando a Linha Vermelha. “Aquilo lá está coberto de lixo depois que as casas que havia no local foram desapropriadas e as famílias removidas”, explica. Com preços baixos, os moradores vizinhos teriam onde guardar seus carros e a renda seria revertida para a manutenção e em benfeitorias para o parque.

Com tanta movimentação, o marido de Josefa, Alexandre José da Silva, acredita que tude pode voltar a ser como era à época da inauguração. “Isso aqui era bonito, parecia a Quinta da Boa Vista e vivia cheio de crianças. Ainda falta muita coisa, por isso temos que ajudar a preservar. Afinal, o parque é de todos nós, de toda a comunidade”, conclui, cheio de razão

BEGHA LINDEMBERG
do site Viva Favela

 
 
 

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