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rio de janeiro
22/09/2004

Comunidade da Urca refloresta morro e combate incêndios

Na comunidade Vila Benjamin Constant, na Urca (Zona Sul do Rio), pequenas mudinhas de plantas andam fazendo a diferença na vida de alguns moradores e na paisagem do local. Quase tão discreta quanto a própria comunidade - situada à beira da encosta do Morro da Babilônia -, a presença dessas mudas tem garantido o verde e ajudado a combater os incêndios e depósitos de lixo, antes comuns na área.

Ali o projeto Muda Verde-Reflorestamento Produtivo vem conseguindo preservar a mata ao produzir e comercializar plantas para gerar renda e matéria-prima para reflorestamento. A idéia partiu de um grupo de quatro moradores.

“A gente já trabalhava há uns dez anos, como voluntário mesmo, no reflorestamento da face Norte do Morro da Babilônia. Conseguimos financiamento por alguns meses, mas sempre sonhamos em tornar o projeto auto-sustentável. Estamos tentando com a produção e comercialização dessas mudas”, conta, orgulhoso, um dos “reflorestadores”, Fernando Gusmão da Costa, 38 anos.

Hoje, graças à ação de pessoas como Fernando, um terreno que servia de depósito de lixo da comunidade deu lugar a um viveiro e a um galpão para sediar o projeto. Num quiosque na entrada da Vila são vendidas cerca de 60 mudas e plantas por mês, grande parte delas para a própria comunidade. “Com a venda, a gente consegue tirar uns R$ 200 e ainda sobra para comprar equipamentos e manter o projeto”, conta Fernando, que antes de iniciar as ações do Muda Verde trabalhava como auxiliar de controle de qualidade de metais preciosos.

Quando não estão produzindo e comercializando mudas ou atuando na manutenção e no plantio da região de encosta, os reflorestadores trabalham como prestadores de serviços nas áreas de paisagismo e jardinagem. “É dessa parte que tiramos o nosso sustento”, conta Fernando.

Moradores ecologistas
No que dependesse dos quatro reflorestadores da comunidade, as ações de preservação do meio ambiente do lugar seriam ainda mais intensas. “Se a gente tivesse algum tipo de apoio do governo, poderíamos fazer muito mais. Não temos dinheiro para trabalhar no reflorestamento do costão rochoso, por exemplo, porque uma corda de montanhismo custa, em média, R$ 80. Então a gente trabalha mais onde está ao alcance, e também na manutenção”, diz Luis Fernando Gerpe, 42 anos.

De acordo com Luis, existem vários outras pessoas da comunidade que, assim como eles, se mobilizam para cuidar do local. “Aqui tudo foi feito com a boa vontade do pessoal. Temos muitos moradores ecologistas, que sobem pela encosta com mudinhas de árvore para plantar. Semana passada mesmo um senhor plantou oito”, conta.

Luis trabalhava como operador de telemarketing, mas teve que abandonar a função por conta de uma deficiência auditiva adquirida. “Prefiro mil vezes trabalhar aqui, no meio da natureza. O nosso projeto continua porque temos características parecidas, todos nós somos amigos e gostamos da área ambiental”, diz.

Aluguel de plantas
Entre as espécies cultivadas no viveiro e vendidas no quiosque estão plantas ornamentais como pingo-de-ouro, jibóia, antúrio, felicidade, além de fitoterápicas como boldo, erva-cidreira, capim-limão e espécies da Mata Atlântica, como ipê-roxo e pau-brasil. O quiosque fica aberto das 8h às 14h30. As mudas e plantas custam entre R$ 1 (muda de hortelã) e R$ 60 (de fícus). “Depois desta hora a rua fica praticamente vazia e não tem sentido a gente continuar tentando vender. Então vamos ajudar nas outras tarefas”, diz Luis.

Ele acrescenta que o projeto também trabalha com aluguel de plantas para eventos e encomendas maiores. Cada um recebe de acordo com a produção. “Recebemos encomenda de dezenas de pingos-de-ouro de um posto de gasolina que fica aqui perto. Eu avisei ao pessoal: quem produzir mais, ganha mais. Agora temos trabalhado até às 22h para produzir pingos-de-ouro”, diz.

Não há lugar que esteja fora do alcance das mudas do grupo. “Recebemos encomenda de toda parte, daqui da rua Lauro Müller, e também do Leblon, de Ipanema. Quando as distâncias são grandes, cobramos o frete”, explica Luis.

A divulgação do trabalho é no boca-a-boca e no bate pernas, segundos os integrantes do grupo. “Quando vou buscar minha filha na creche levo três cartõezinhos do Muda Verde no bolso”, conta Luis. E acrescenta: “A gente costuma ir até o cliente e oferecer nossos serviços. Existem muitos quiosques de plantas por aí e a concorrência é grande. Mas a diferença é que não trabalhamos com revendas, produzimos nossas próprias mudas”.

Para diversificar o cardápio de mudas, os defensores do verde da comunidade são partidários daquele velho ditado: “quem tem boca vai a Roma”. “Quando descobrimos uma muda diferente, a gente pede e faz de tudo para trazer para cá”, diz Fernando Gusmão.

No peito e na raça
O que sabem sobre plantas, os reflorestadores da Vila Benjamin Constant aprenderam na prática. Eles cresceram brincando no local e começaram a se preocupar em preservá-lo ao perceber a grande incidência de enchentes e deslizamentos de terra.

“Com as chuvas caíam barreiras, então a gente fazia contenção com vigas que iam para o lixo, com pedras”, diz Roney Hermenegildo, 27 anos, que deixou pra trás o trabalho na área de vendas. “Começou tudo no improviso, a gente sonhava com um viveiro e agora já temos um e estamos construindo nosso escritório, a sede do projeto”, diz.

De acordo com os envolvidos na ação, o Muda Verde foi batizado com esse nome há cerca de três anos, quando recebeu financiamento de convênio firmado entre a prefeitura e a União Européia (EU), por meio do Programa de Apoio às Populações Desfavorecidas (APD-Rio) - o Bairrinho. Coube ao Instituto Terranova dar o suporte técnico ao projeto. “A gente sabia que algumas comunidades seriam beneficiadas pelo convênio, já fazíamos esse trabalho então elaboramos a proposta. Tivemos uns seis meses de financiamento”, diz Fernando Gusmão.

Sábado, domingo e feriado, faça chuva ou faça sol, os integrantes do Muda Verde contam que continuam trabalhando no projeto. Segundo eles, seus afazeres incluem a poda de árvores, combate às pragas, o reaproveitamento da água da chuva para irrigação, entre outras coisas. “Também semeamos plantas como a leucena, que faz sombra para que possamos inserir mudas menores como ipê, aroeira, e as frutíferas como açaí, jabuticaba. Enfim, a gente dá uma força pra natureza. Os cachorros, por exemplo, deixavam fezes aqui”, diz ele, apontando para o local. “Inserimos então a coroa de Cristo, por causa dos espinhos, e esse problema acabou”.

Lixo e Fogo
Eles contam que já não acontecem mais os incêndios, antes tão freqüentes. “Esta era uma área que sempre pegava fogo, mas sanamos o problema plantando leucena e controlando o capim colonial. Isso sem contar com o lixo que as pessoas jogavam e agora não jogam mais. Era carcaça de geladeira, sofá velho, quilos de vidro, plástico”, conta Roney.

A Vila Benjamin Constant foi construída na década de 40 para abrigar famílias de funcionários do Instituto Benjamin Constant - tradicional instituição que atende a deficientes visuais, na Avenida Pasteur - e hoje conta com cerca de 140 casas.

Os reflorestadores se orgulham de manter no lugar uma área natural para o lazer. “Tenho 3 filhos, o meu de 14 anos não sai daqui. Os casaizinhos também adoram subir a região de encosta para namorar”, diz. Com otimismo, o grupo segue com as ações. “Com todo esse trabalho ainda tenho que fazer bico de garçon, mas se o Brasil com 500 anos ainda é um bebê, imagina então a nossa empresa, que só tem quatro anos. Batalhamos para conquistar o nosso espaço e temos que continuar”, conclui Luis.


JULIA DUQUE ESTRADA
do site Ecopop

 
 
 

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