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políticas públicas
24/09/2004

Sociedade quer deficiência na pauta do poder público

Entre os dias 17 e 28 deste mês, quatro mil atletas de 143 países estarão em Atenas para os Jogos Paraolímpicos, disputados por homens e mulheres com algum tipo de deficiência. Desses esportistas, nada menos que 98 são brasileiros. O tamanho dessa equipe é ainda mais impressionante quando comparado ao das Olimpíadas: ela corresponde a 39,6% da delegação olímpica, formada por 247 atletas. Essa proporção é bem superior à observada na população, em geral, na qual 14,5% das pessoas (24,5 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) têm alguma deficiência – o que inclui quem se diz incapaz de ouvir, enxergar ou andar.

A expressiva participação de brasileiros nas Paraolimpíadas não é, contudo, reflexo de uma plena inclusão social das pessoas com necessidades especiais. Longe disso. Segundo especialistas em inclusão, ainda é preciso avançar alguns passos até que os 24,5 milhões de brasileiros nessa condição desfrutem das mesmas oportunidades dos demais. O caminho para se chegar lá passa necessariamente pelo aperfeiçoamento de políticas públicas voltadas para esse segmento.

Essa constatação foi o ponto de partida do projeto da Agenda Deficiência, idealizado pela Fundação Banco do Brasil em parceria com a Rede Saci (Solidariedade, Apoio, Comunicação e Informação). Lançada em julho passado, a iniciativa busca reunir empresas, organizações da sociedade civil e órgãos públicos para debater e encontrar soluções para a inclusão de pessoas com deficiência. “A idéia é criar um fórum permanente para identificar as dificuldades que afetam essas pessoas e apresentar aos governantes formas de superá-las”, diz a professora Ana Maria Barbosa, coordenadora da Agenda Deficiência e gerente da Rede Saci, criada por professores da Universidade de São Paulo dedicados à questão.

Os debates, que já acontecem no site da Agenda Deficiência vão originar um documento com ações a serem tomadas. “Este projeto é similar à Agenda 21, sobre a promoção do desenvolvimento sustentável. Queremos não só mostrar o que fazer mas também criar um compromisso dos agentes, como gestores públicos, ONGs e Ministério Público, para que as mudanças aconteçam”, afirma Luis Fumio Iwata, diretor de ciência, tecnologia e cultura da Fundação Banco do Brasil.

Não é a primeira vez que a Fundação se envolve com esta questão. Há dois anos, ela criou o programa Diversidade, que busca estimular a inserção social de segmentos estigmatizados, e no começo decidiu centrar-se nas pessoas com deficiência. A primeira ação foi pesquisar o perfil desse grupo. Daí surgiu o estudo Retratos da deficiência no Brasil, que foi desenvolvido juntamente com a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e, entre outras informações, traz dados sobre educação (21,6% dessas pessoas nunca foram à escola, por exemplo) e renda (R$ 529 é a renda média mensal da pessoa com deficiência, isto é, R$ 100 menos que a média geral). Em seguida, a Fundação lançou, em parceria com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância – Andi, o manual Mídia e deficiência, com orientações para os jornalistas abordarem o assunto. A formulação da Agenda Deficiência fecha, portanto, o ciclo de projetos relacionados ao tema.

Inclusão na escola
Segundo Ana Maria Barbosa, que trabalha com inclusão desde 1989, embora uma avaliação do Banco Mundial tenha mostrado que o Brasil trata as pessoas com deficiência melhor que os Estados Unidos, ainda é preciso um grande esforço do poder público em áreas como transporte e educação. “As prefeituras devem investir na melhoria do acesso de cadeira de rodas em vias públicas, com a construção de rampas e a exigência de mais ônibus adaptados”, defende.

Nas escolas, o desafio é tirar do papel a resolução no 2 do Conselho Nacional de Educação, de 2001, que estabelece que crianças entre 7 e 14 anos com deficiência devem ser acolhidas por todas as escolas. “O governo deve fiscalizar o cumprimento da lei. Afinal, o ensino especial não é substituto do regular, mas um complemento”, argumenta a professora Maria Tereza Mantoan, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade da Unicamp. A educação especializada seria reservada a ensinar o sistema braile a cegos e a linguagem de sinais brasileira (libras) a crianças surdas, por exemplo. “É preciso que os gestores públicos invistam na pesquisa e na implantação de inovações educacionais. Só usamos modelos antigos”, diz a professora. “A falta de convívio dos professores com a diferença fez da inclusão um bicho-de-sete-cabeças.”

Jorge Hipólito, diretor da Associação de Pais e Amigos de Portadores de Necessidades Especiais do Rio de Janeiro, reclama que o poder público não dá exemplo de educação inclusiva. “Tenho um filho hiperativo que está defasado quatro anos nos estudos e não consegui matriculá-lo numa escola municipal. Não há interesse em facilitar o acesso. Dizem que não há vagas para crianças com deficiência”, diz Hipólito.

Segundo a jornalista Claudia Werneck, presidente da ONG Escola de Gente, voltada para inclusão de pessoas com deficiência, outro exemplo de desatenção a esse segmento é o projeto Primeiro Emprego, do governo federal. “No papel, ele prevê todos os jovens. Acontece que, na faixa de idade beneficiada, as pessoas com deficiência não atingiram a escolaridade requerida. É preciso levar em conta essa defasagem escolar”, observa Claudia. Ela ainda menciona que mesmo os Conselhos Tutelares de Direitos da Criança e do Adolescente não incorporaram os temas da deficiência. “Sei de casos em que os conselhos vêem a criança com deficiência como se estivessem fora de seu campo de atuação”, conta ela, indignada.

No mercado de trabalho, a lei 8.213/91 estabeleceu que empresas com 100 funcionários ou mais devem reservar de 2% a 5% das suas vagas de trabalho para pessoas reabilitadas ou com deficiência. “A política de cotas teve um papel importante de dar visibilidade à questão, mas ela tem um lado cruel. Uma empresa com funcionários com deficiência não é necessariamente inclusiva. Muitas vezes, a pessoa está lá só para cumprir a lei e não é treinada, o ambiente não é adaptado. Isso só reforça o estigma sobre a deficiência”, avalia Ana Maria, da Rede Saci.

Há outros motivos para a lei não levar diretamente à inclusão no mercado de trabalho. “Há mais vagas abertas do que pessoas com deficiência. Como as escolas não são adaptadas a todos, é comum portadores de deficiência não conseguirem atender às exigências das vagas”, diz o presidente da Associação para Valorização e Promoção dos Excepcionais – Avape, Marcos Antônio Gonçalves, que também é membro do Conselho Nacional de Assistência Social. Segundo Gonçalves, para este dia 22 de setembro está previsto o lançamento da nova Política Nacional de Assistência Social, que, entre outras medidas, contempla as pessoas com deficiência com um sistema semelhante ao Sistema Unificado de Saúde: o Sistema Unificado de Assistência Social – SUAS. “É um mundo novo que se abre para essas pessoas”, diz ele, otimista.

Militantes da inclusão acreditam, contudo, que não se pode apenas esperar pelo governo. Para Claudia Werneck, é hora de integrantes do movimento se articularem melhor para se tornarem melhores interlocutores junto a esse governo. “Precisamos aprender com movimentos sociais como os de gênero e o de direitos humanos, que atingiram uma maior capacidade de mobilização”, diz Claudia. Uma das propostas da Agenda Deficiência é contribuir justamente para essa mobilização. “O papel da Agenda é ser uma proposta que torne desnecessárias outras propostas para esse público”, define. “Esperamos que ela estimule uma política inclusiva tanto no entendimento como na prática.”

As informações são da Fundação Banco do Brasil.

 
 
 

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