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Brasil de Deus

Entende-se melhor a degradação brasileira assistindo ao filme "Cidade de Deus", lançado em circuito comercial na sexta-feira passada, do que ouvindo os candidatos a governador ou a presidente, que, de modo geral, repetem obviedades ou lançam promessas mirabolantes sem mostrar com detalhes a sua viabilidade.

Nos programas eleitorais, os candidatos, de olho nas pesquisas sobre os anseios dos brasileiros, insistem na associação do emprego com a segurança e batem na tecla óbvia de que mais gente no trabalho significa menos gente na cadeia. Uma associação tão genérica pode até embalar os mais desavisados, desinformados sobre como se formam as redes que levam à criminalidade - um movimento que se inicia, conforme demonstram recentes estudos de neurobiologia, desde os primeiros abusos, dos mais diversos tipos, sofridos pela criança.

O filme é apenas uma alegoria do Brasil, contaminado de alto a baixo pela banalização da morte, pelo crescimento descontrolado da criminalidade e pela falta de perspectivas profissionais e educacionais entre os jovens nas regiões periféricas.

A insegurança do "Brasil de Deus" é provocada essencialmente pela incapacidade de integração de milhões de jovens nas escolas e no emprego, usina de mão-de-obra para o crime organizado.

Mais do que a ineficiência da polícia, a "bomba da juventude" explica a disseminação da delinquência e a transformação de vastos territórios em terra de ninguém, onde só se entra com autorização de traficantes - essa ordem vale para policiais, religiosos, assistentes sociais e cineastas.

Como a percepção dos artistas costuma estar sempre à frente da percepção dos políticos, a "bomba da juventude" será apresentada também, na próxima semana, no cinema, com a exibição de "Uma Onda no Ar" - o filme conta a aventura de jovens que criaram uma rádio em uma favela de Belo Horizonte.

Uma exibição especial desse filme, a ser realizada na próxima quarta-feira, vai mostrar como a violência está refinando o olhar da sociedade para a busca de soluções baseadas em experiências dentro e fora do Brasil.

Depois do lançamento, será entregue para os presidenciáveis uma proposta de uma política para a juventude, elaborada há cinco meses por especialistas em educação, psicologia, assistência social, formação profissional, saúde e lazer. O projeto, coordenado por Viviane Senna, está sintetizado em documento endossado por alguns dos mais importantes ícones do PIB econômico e cultural brasileiro, bem como pelos principais representantes do chamado terceiro setor.

A novidade é que nunca (e "nunca" aqui não é exagero) se percebeu com tamanha clareza a "bomba de juventude" e nunca se reuniu tanta gente tão qualificada em busca de alternativas; muitas das alternativas não são mirabolantes - são, em muitos casos, experiências já em andamento que necessitam apenas de ganhar maior dimensão.

Muitas entidades não-governamentais se transformaram em laboratórios de experimentações pedagógicas com jovens e vêm alcançando notáveis resultados. Usam-se iscas como música, artes plásticas, informática, dança, ecologia, literatura, grafitagem, teatro, esporte, qualquer coisa que eleve a auto-estima.

Dentro e fora do país, abundam casos de melhoria de escolas públicas a partir da mudança de currículo e do treinamento de professores e de diretores, assim como do envolvimento da comunidade. São, na maioria das vezes, experiências clandestinas, desconhecidas do setor público.

Aliás, a pesquisa de alguns desses exemplos conferiu, na sexta-feira, o prêmio especial Eco (mais importante condecoração na área de responsabilidade social, da Câmara Americana do Comércio) ao Banco Itaú, patrocinador da série Raízes e Asas - o projeto é da educadora Maria Alice Setúbal, que levou o banco da família a sistematizar e a divulgar boas práticas educativas.

Transformar tais casos em políticas públicas é algo urgente. A razão óbvia está no Censo Escolar, divulgado na semana passada, em que se aponta o crescimento veloz do ensino médio; agora são 8,7 milhões de alunos. Exigem-se ainda mais recursos para o ensino médio do que para o ensino fundamental - e o que se vê, no geral, é a péssima qualidade de ensino.

Arma-se aí mais uma bomba: são milhões de pessoas estimuladas a estudar, refinando as suas expectativas. Sonham com um curso superior e, mais, com bons empregos. Sem perspectivas para a juventude, o "Brasil de Deus" será sempre comandado pelo diabo da violência.

P.S. - Atenção, especialistas em segurança dos candidatos: o documento a ser divulgado na próxima semana defende que seja criada uma política de renda mínima para os jovens concentrada nos guetos e condicionada à permanência na escola. Exige como contrapartida serviços comunitários. Se combinarem políticas federais, estaduais e municipais, além do apoio de empresas e do terceiro setor, não será tarefa impossível (nem cara) descontaminar, em dez anos, as áreas mais violentas das grandes regiões metropolitanas. A meta seria, em quatro anos, oferecer essa bolsa de um salário mínimo para 3 milhões de jovens.

 
 
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