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Ao mestre com porrada

As carteiras são empilhadas até o teto da sala de aula. Os alunos divertem-se escalando a torre que, sem capacidade de resistir a tanto peso, desmorona e espalha destroços; na maioria das vezes, as paredes são pichadas.

Essa cena é comum numa escola estadual do bairro Santa Teresa, na região metropolitana de São Paulo. É quase uma tradicional brincadeira das sextas-feiras. Resignado, o diretor se sente impotente para conter a baderna. Por um simples motivo: "Tenho medo", reconhece, acostumado a consertar semanalmente as carteiras depredadas.

Ao conceder entrevista, ele pediu que seu nome não fosse divulgado, temendo represálias: muitos daqueles alunos estão envolvidos com quadrilhas de traficantes. "Se você não entra no esquema dos traficantes, sofre as consequências. Se chama a polícia, também sofre. Somos obrigados a fazer acordos e a andar na linha."

A violência tornou-se a tal ponto rotineira que, a partir do próximo semestre, 2.500 escolas estaduais vão receber alarmes e câmaras. "Não me agrada a idéia de as escolas parecerem prisões, mas somos obrigados a cuidar da segurança", justifica a secretária estadual da Educação, Rose Neubauer, que, periodicamente, faz um levantamento das ocorrências de selvageria nas escolas.

Ameaçado, o professor prefere calar, pois sabe que o revide, muitas vezes, pode ser pesado. No mês passado, aquele diretor viu um aluno depredando um cartaz. Chamou-lhe a atenção, levou-o para a sua sala e viu-se diante de um irado adolescente, que ameaçava "quebrar a sua cara". "Ficou por isso mesmo", conta.

Um professor, que também quis ficar no anonimato, desabafou: "Não dá para ter nenhum problema de relacionamento com os alunos. No ano passado, entrou uma nova diretora na escola em que eu lecionava. Ela resolveu jogar duro. Seu carro levou cinco tiros. O meu carro, por exemplo, está arranhado".

Na opinião de Rose Neubauer, o aluno está cada vez mais agressivo, e o professor não está preparado para lidar com o conflito: a depredação e os episódios de violência são a consequência dessa inabilidade e dessa incapacidade de lidar com a tensão.

Previsível, portanto, que o ambiente escolar assuma ares de presídio. Já existem até cidades nas quais se instalaram detectores de metais nos portões das escolas.

Nem poderia ser mesmo muito diferente: escolas não são ilhas. À medida que mais crianças e adolescentes estão estudando -ou, pelo menos, fingindo estudar-, os educadores se vêem forçados a olhar de modo mais severo para a selvageria produzida longe das salas de aula.

A essa altura, o leitor desta coluna que, provavelmente, tem o filho numa escola particular, talvez até se sinta protegido. Ilusão: embora com diferentes tonalidades, a violência está disseminada em ambientes ricos e pobres. Os professores sabem disso.

Nem vou aqui me referir ao tráfico de drogas, igualmente disseminado nas escolas privadas, mas ao desrespeito crônico.

Pedi a professores de escolas de elite que também contassem como são vítimas do desrespeito. Dispuseram-se a falar desde que não tivessem de aparecer.

Xingamentos, palavrões, dedos em riste e até ameaças de agressão também fazem parte da rotina das escolas mais ricas. O estudante joga na cara dos professores frases que exigem subserviência, baseado numa suposta superioridade financeira: "Quem paga seu salário sou eu".

Uma professora disse: "O que me dói nem é a frase, mas a postura arrogante, o olhar de superioridade. Você fala e o aluno nem presta atenção, como se você fosse uma empregada. Eles tratam o professor como tratam a empregada".

É fato que os professores não tiveram suas técnicas pedagógicas recicladas e muitos não conseguem criar um ambiente de mais diálogo, de menos autoritarismo. Não foram desenvolvidos espaços para transformar agressão em debate civilizado.

Também é fato que a imensa maioria das escolas são antiquadas -os métodos de ensino ainda baseados na velha "decoreba", as matérias fragmentadas e dispersas, sem sentido. O estudante vem do mundo em tempo real, repleto dos encantos da interatividade, e, por isso, não se deixa seduzir pela monótona falação professoral.

Porém, no que diz respeito às classes média e alta, existe um problema mesmo dos alunos -e de seus pais. Mais especificamente, nosso problema.

Professores e pais são vítimas (e produtores) de uma geração sem limites, mimada, com desejos em tempo real: quer na hora o que deseja. E frequentemente consegue. Não aprende, claro, a lidar com a frustração -a administrar a decepção- e cultiva uma crônica imaturidade.

Existe também uma geração de "adultescentes" -adultos que se comportam como adolescentes. Na condição de pais, eles têm dificuldade de impor limites e temem ter atitudes parecidas com as de seus pais.

Assim, os adolescentes de hoje tendem a ver no professor não mais que uma empregada doméstica -e na empregada uma escrava. O pai ou a mãe é aquele ser que tem como obrigações precípuas atender desejos. Não saber administrar frustrações e viver numa sociedade de prazer em tempo real, marcada pelo estímulo ao consumo obsessivo, é o cenário ideal para produzir clientes de traficantes de drogas.

PS -Começam a surgir experiências para lidar com a violência nas escolas, envolvendo a comunidade: em São Paulo, uma entidade chamada Parceiros do Futuro e, no Rio, com o apoio da Unesco, a organização Escolas da Paz. Está à disposição do leitor no site do Aprendiz um dossiê de artigos sobre educação e violência:

 
 
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