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Receita de sucesso

O documentarista Sérgio Roizenblit, 40 anos, é um legítimo representante da geração "eu-quero-uma-casa-no-campo". Mochila nas costas, pedia carona nas estradas, de preferência rumo a Salvador, parando nas praias. Venerou o rock, desprezou o consumismo, passou por fases de misticismo e acreditou que o contato com a natureza produzisse seres mais elevados. Nada mais natural que fosse morar em um sítio no interior de São Paulo - com seus discos e livros e nada mais.

Neste ano, ele resolveu mudar, literalmente, de ares. Comprou um apartamento dúplex no centro de São Paulo. "Aqui tudo funciona 24 horas. A paisagem humana se altera sem parar, esse turbilhão da diversidade é encantador e me faz ficar conectado com o mundo."

Por trás dessa mudança - "da lama para o caos", como ironiza Sérgio - existe uma das mais interessantes experiências sociais do Brasil.

A revitalização do centro da cidade de São Paulo, que atraiu Sérgio, envolve a articulação da comunidade com empresas, com as mais diversas repartições dos governos federal, estadual e municipal e com entidades internacionais. É um dos melhores laboratórios do Brasil para testar as políticas sociais. Raros projetos envolvem tantos parceiros atuando em um mesmo foco, delimitado territorialmente.

Uma amostra tumultuada de uma parte dessa rede ocorreu na semana passada. Em mais uma tentativa de enfrentar os camelôs, símbolos da degradação social, juntaram-se numa operação especial o Ministério Público, a Polícia Federal, a Receita Federal, a Polícia Militar, a Guarda Civil Metropolitana e as secretarias da Fazenda estadual e municipal, além de entidades de promoção social. A Associação Comercial elaborou um projeto de criação de shoppings populares para abrigar os camelôs.

Fazer tal tipo de conexão permanentemente, e não apenas em surtos, é o principal desafio dos programas sociais brasileiros, nos quais é sabido que tão ou mais grave do que a falta de dinheiro é a má gestão. Espera-se para a próxima semana, por exemplo, a divulgação de um cadastro único, a ser anunciado pelo presidente Lula, que permitirá a articulação de todos os programas de renda mínima -da bolsa-escola, passando pelo Fome Zero, até o agente jovem.

A busca de eficiência na gestão torna-se especialmente urgente quando a sensação de estabilidade política parece estar ameaçada, fato que se acentuou na semana passada com a desenvoltura dos sem-teto e dos sem-terra -e isso sem contar os efeitos do crescente número dos sem-emprego.

Como o documentarista Sérgio, o governador Geraldo Alckmin também está mudando de ares. A partir de setembro, ele não estará despachando apenas no asséptico bairro do Morumbi: terá seu gabinete no centro, quase vizinho da futura sede da prefeitura. Todas as principais repartições dos governos estaduais e municipais estarão, já neste ano, aglutinadas em uma mesma área.

Nesse processo de revitalização, disseminam-se pelas imediações espaços culturais. Na semana passada, foi apresentada a reforma da estação da Luz, recuperada com recursos públicos e privados, a exemplo do que aconteceu, a poucos metros dali, com a Sala São Paulo e com a Pinacoteca do Estado.

Impressionado com os sem-teto, Lula decidiu, também na semana passada, apressar o programa de financiamento para a compra de imóveis nas regiões centrais, associando revitalização urbana com garantia de moradia. O programa começa em São Paulo, seguindo para o Rio de Janeiro, Recife e Salvador.

Por causa dessa ebulição, ao comprar o prédio onde instalará seu gabinete, Alckmin viu o que Sérgio está vendo. Os aluguéis e preços dos imóveis estão subindo rapidamente, sinal de que recuou o abandono e de que as ações podem estar começando a funcionar. Mas a receita do sucesso não está menos nos gabinetes oficiais do que nas ruas -e aí está a chance para o desempenho das políticas sociais.

O fato mais relevante desse laboratório é não apenas a articulação de programas públicos tão variados mas também a engenharia comunitária. Quando quase todos diziam que a região já não tinha jeito, um grupo de indivíduos decidiu reagir.

Promoveram seminários sobre a importância de preservar o patrimônio histórico, mudaram leis, divulgaram experiências internacionais de recuperação dos centros, pediram audiências a prefeitos e a governadores. Surgiram dezenas das chamadas "ações locais", organizadas por comerciantes e moradores que atuaram como zeladores de ruas, formando um batalhão de vigilantes.

Só se pode garantir a eficácia de uma política pública -como se vê nesse laboratório montado no centro de São Paulo, cujos resultados, apesar de promissores, ainda são tímidos- com uma engenharia de participação comunitária. Essa é a única possibilidade para que os vários níveis de governo consigam trabalhar em rede e evitar desperdícios.

PS - Somente essa força comunitária (e nada mais) conseguirá evitar que os "escolões" lançados por Marta Suplicy na semana passada não sejam um fracasso. Experiências de escolas públicas especiais como os Cieps, os Ciacs ou as escolas-parque fracassaram porque, apesar da boa intenção ou da sofisticação pedagógica, dependiam da veleidade dos governantes. Desconfio de usos eleitorais de obras de impacto, sou reticente quanto à formação dos professores, mas gosto da idéia de criar escolas que se prestem a ser laboratórios - ainda mais se instaladas na periferia. São fundamentais para inspirar a rede pública. O sucesso da iniciativa, porém, vai depender menos dos prédios do que da arquitetura pedagógica e comunitária - a engenharia, como se sabe, é a parte mais fácil da educação. Erguer um prédio demora um ano, mudar um professor, dez anos.

 
 
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