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O
ministro da Educação passa no vestibular?
O ministro
da Educação, Cristovam Buarque, foi professor
de economia, reitor e governador de Brasília -quando
criou a bolsa-escola, um dos mais avançados mecanismos
de distribuição de renda da história
brasileira. Considerando sua bagagem acadêmica, perguntei-lhe,
na semana passada, se ele conseguiria hoje passar no vestibular
para entrar nas mais disputadas faculdades públicas
de economia.
Sem constrangimento,
ele respondeu: "Possivelmente, não". Nem
teria motivo para constrangimento: o vestibular não
foi criado para educar, mas apenas para selecionar quem tem
direito de entrar na faculdade. Ao leitor que se considerar,
neste momento, superior ao ministro, sugiro que faça
um teste para aferir o que lembra da tabela periódica.
Ou repasse o que gravou sobre os protozoários. Também
pode, caso queira, tentar localizar, neste texto, uma oração
subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo.
Se um
professor de economia não está certo de que
passaria no vestibular da universidade em que ministrou suas
aulas e da qual foi reitor, é porque alguma coisa está
errada.
A resposta
do ministro é um primeiro sinal de uma das boas notícias
que ameaçam ocorrer: o fim do vestibular como o conhecemos.
Cristovam
Buarque vai sugerir aos reitores que só proponham aos
candidatos duas provas: português e matemática.
Essas são as bases, segundo ele, para o aprendizado
das demais matérias. A pontuação ocorreria
de acordo com a opção do aluno -se escolhe como
carreira o jornalismo, por exemplo, para ele, português
teria mais peso.
O Ministério da Educação defende que
o exame ocorra em três anos, depois de cada série
do ensino médio; daí se tiraria a nota final.
"A prova funcionaria como um reforço do que foi
aprendido", afirma Cristovam.
Ele chega
a dizer que, por mais exótica que pareça, a
idéia do educador e psicanalista Rubem Alves, colunista
do caderno Sinapse, deve ser considerada. Provocador, o psicanalista
defende que, no lugar dos exames, se faça uma loteria,
depois de aplicado um teste de conhecimento mínimo
entre os candidatos. "O resultado seria ruim. Certamente
muita gente sem condições entraria na faculdade.
Mas ainda seria menos ruim do que a educação
ter de se moldar a uma prova que exige a retenção
de informações desnecessárias",
analisa Rubem.
O que
faz o ministro não debochar, embora discorde da fórmula,
da loteria universitária está na mesma raiz
da rapidez com que admite sua dificuldade em passar no vestibular.
Aprender não é reter informação,
mas gerenciar permanentemente o conhecimento -é o único
jeito de alguém estar apto a lidar com as novas demandas
profissionais.
A mistura
de globalização com novas tecnologias de informação
tornou ainda mais obsoleto o sistema de ensino baseado na
"decoreba" -assim como se tornaram defasados os
limites geográficos (países) e físicos
(o prédio escolar).
Grupos
universitários internacionais têm disputado o
mercado brasileiro, fazendo parcerias com faculdades privadas
brasileiras. Combinam-se cursos a distância, virtuais,
com aulas reais, presenciais, com o deslocamento de professores
de outro país. O que faculdades, em sua maioria de
São Paulo, fazem no resto do país, expandindo
seus domínios, universidades estrangeiras fazem no
Brasil.
Esse mercado prospera com tal velocidade que, como noticiou
a Folha na semana passada, virou um item a ser regulado na
Organização Mundial do Comércio. Isso
porque entrou na pauta de exportação dos Estados
Unidos.
Assim
como a escravidão foi abolida menos por questões
morais do que pelas condições econômicas,
o vestibular vai acabar menos pelo idealismo de educadores
do que pelas novas necessidades de uma sociedade movida a
uma velocidade jamais conhecida de inovação.
*
PS - Segue
aqui minha pequena sugestão para a melhoria do aprendizado.
Tirem a literatura do vestibular. Poucas coisas são
mais desestimulantes do prazer da leitura do que os resumões,
muitos deles abundantes na internet ou em apostilas que condensam
os livros, tornando-os medíocres, sem emoção.
Não há Capitu que, nessa mediocridade didática,
se salve. Duvido que um aluno não se afaste mais do
que se aproxime dos encantos da língua se for obrigado,
por exemplo, a enfrentar "Os Lusíadas", de
Camões, ou "Vidas Secas", de Graciliano Ramos,
apenas para passar nas provas. A literatura é uma das
melhores portas para o desenvolvimento da criatividade, serve,
didaticamente, de espelho para o autoconhecimento e de janela
para a descoberta da natureza humana. Aliás, na escola
que considero ideal para os novos tempos, o ensino de artes
e de filosofia se nivela, em importância, ao de português
e ao de matemática.
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