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Eles
são cultos, ricos e ignorantes
Nélson
Guimarães, 62, é um magnífico exemplo
de um indivíduo culto, rico e ignorante - e se presta
como interessante ícone da alienada elite brasileira.
Ele mora
no Alto de Pinheiros, bairro da classe média paulistana,
ganha a vida vendendo antiguidades e é diretor do prestigioso
Museu Brasileiro da Escultura.
Depois
de 62 anos de anonimato, ele, com uma frase, publicada no
domingo passado pela revista da Folha, ganhou notoriedade:
"Prefiro ter uma kitchenette na alameda Santos a uma
mansão no Tatuapé. É um perfil de habitante
completamente diferente, não tem nada a ver comigo".
Quis dizer
o que muita gente de sua classe, moradores dos bairros de
elite, pensa, mas não diz em público: não
quer se misturar com os pobres ou emergentes. Pobre ou novo
rico, imagina, deve ser um ofensa estética. E, pior,
considera-os inferior.
A ojeriza
de Guimarães apareceu por causa de uma frase de militante
da categoria dos ricos ignorantes, supostamente cultos. Carlos
Renato Camargo defendeu, em carta enviada à revista
da Folha, critérios rigorosos para aceitação
de associados nos clubes de elite. E disparou: não
gostaria de conviver com moradores de bairros como Higienópolis,
Tatuapé, Santana ou ABC.
Como Higienópolis
é um bairro de classe média alta, onde moram
muitos milionários, suspeita-se que seu incômodo
seja com uma das etnias dominantes ali: os judeus. É
o bairro com a maior concentração de judeus
em São Paulo.
Previsível
que essa declaração preconceituosa iria provocar
duras reações e comoção entre
os leitores, a ponto de sugerir à revista dedicar uma
capa ao bairrismo. O debate revela, com nitidez, o perfil
de uma cidade marcada pela exclusão e com uma elite
que tenta, por todos os meios, trancar-se, proteger-se, da
"mistura", preservando o que considera uma identidade
"superior". Cultos ignorantes estão por todos
os cantos do Brasil, cercados pelas muralhas dos condomínios
ou de mansões guardadas como se fossem fortalezas.
O indivíduo
realmente culto é aquele que respeita a diversidade,
tem curiosidade permanente de conhecer o outro e faz do ato
de viver o ato de aprender. Fora disso, é apenas esnobismo
ilustrado e decadente.
Por conseqüência,
o preconceito é uma manifestação de ignorância.
O preconceituoso não se interessa em conhecer e vivenciar
a diferença e passa a vida ancorado na sua própria
ignorância existencial - somos, portanto, uma nação
de batalhões de ignorantes ilustrados.
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