Os
heróis anônimos
Reunidos
na semana passada, dirigentes de escolas particulares decidiram
que, a partir do próximo ano, as matrículas
devem ser aceitas somente depois que os estudantes apresentarem
um fiador.
Há
propostas ainda mais duras para enfrentar o calote, estimado
nacionalmente em 35% das matrículas. Querem lançar
os devedores numa lista negra e expulsá-los, mesmo
que estejam no meio do ano letivo.
Os principais
prejudicados por essas medidas não são os estudantes
de classe média das escolas privadas do ensino básico.
O alvo delas são os heróis noturnos, que, ex-alunos
de escolas públicas, são obrigados a trabalhar
durante o dia e a estudar à noite na faculdade.
Mais suscetíveis
à crise econômica, marcada pelo desemprego e
pelo achatamento salarial, eles enchem as estatísticas
de inadimplência ao mesmo tempo em que estimulam a explosão
do ensino superior privado.
Psicólogos
discutem os perigos da geração "tanto faz"
-jovens de classe média e alta vítimas do excesso
de facilidade material e de escassez de aconchego espiritual
dos pais. Tal combinação, alertam, produziria
indivíduos mimados, com dificuldade de lidar com a
frustração. Diante da menor dificuldade, desistem.
O contraponto
da geração "tanto faz" são
os heróis noturnos. Não medem esforços
para superar as fragilidades educacionais de quem veio de
uma escola pública, apostam tudo no conhecimento e
enfrentam a maratona do trabalho diurno e do estudo noturno;
fins de semana e feriados são usados para fazer lições.
Nessa
batalha pelo conhecimento, reproduzem a garra e o heroísmo
anônimo dos migrantes e imigrantes.
É
um grupo de sobreviventes. A imensa maioria dos brasileiros
que frequenta escolas públicas tomba muito antes de
chegar às portas da faculdade.
Documento produzido pelo MEC, divulgado na quarta-feira passada,
informa que em só em 19 cidades brasileiras os indivíduos
têm, em média, oito anos de escolaridade -o que
significa terem cursado apenas e tão-somente o ensino
fundamental.
Os sobreviventes
passaram pelos oito anos e fizeram mais três anos de
ensino médio, trabalhando desde a adolescência.
Não tiveram como entrar numa universidade gratuita
e se ralam para pagar a mensalidade de instituições
privadas, muitas delas de qualidade discutível -isso
quando podem pagar.
Não
faz sentido exigir que a escola privada assuma o calote. É
uma saída tão realista quanto pedir aos jornais
que, em nome do direito à informação,
não cortem a assinatura de quem decidiu suspender o
pagamento. Ou aos restaurantes que, sensíveis à
fome, não apresentem a conta aos clientes pobres.
Entendo
donos de escolas que não aceitam bancar a inadimplência
de seus alunos. Exigir, porém, fiador para fazer a
matrícula é barrar aqueles que mais lutaram
para sobreviver à peneira do ensino. Mais grave ainda
é querer mandar embora um aluno no meio do ano letivo.
Educadores deveriam ter vergonha de fazer tal proposta até
mesmo numa sala fechada -mais ainda de transformá-la
em bandeira pública.
Solução
mesmo é aumentar o número de vagas nas universidades
públicas, ampliando o acesso aos cursos noturnos, e
garantir mais bolsas aos estudantes de faculdades privadas.
Num país
que paga R$ 170 anuais por uma bolsa-escola e mais de R$ 1.000
mensais por uma vaga numa universidade pública, frequentada
pelos mais ricos, não é apenas tolice mas também
perversidade jogar mais dinheiro do contribuinte no ensino
superior oficial.
Na semana
passada, o ministro Cristovam Buarque apanhou de todos os
lados porque apoiou a idéia de descontar de ex-alunos
de faculdades públicas, depois de formados, um valor
extra no Imposto de Renda caso ganhem R$ 3.000 mensais, patamar
dos 10% mais ricos no Brasil.
Reagiram
como se defendessem um direito, mas estão querendo
perpetuar um privilégio. Se alguém tem de receber
ajuda para estudar numa faculdade, pública ou privada,
é aquele que não pode pagar.
Daí
que, na minha escala de valores, as melhores notícias
sociais deste ano são os programas que oferecem bolsa
universitária em troca de serviços comunitários
e o financiamento público de cursinhos pré-vestibulares.
PS - Mais
um exemplo de heróis anônimos são universitários
que, nas horas vagas, ajudam jovens a entrar na faculdade,
lecionando em cursinhos pré-vestibulares. Merece entrar
na história uma das iniciativas pioneiras de estudantes
da Poli, da USP, que lançaram esse tipo de programa
comunitário, hoje disseminado em todo o país.
Melhor do que o regime de cotas é garantir que todos
tenham mais condições de competir em igualdade
de condições.
|
|
|
Subir
|
|
|