Home
 Tempo Real
 Coluna GD
 Só Nosso
 Asneiras e Equívocos 
 Imprescindível
 Urbanidade
 Palavr@ do Leitor
 Aprendiz
 
 Quem Somos
 Expediente
gdimen@uol.com.br

Quem tem de repetir é a escola

Encerrada a peça "Variações Enigmáticas", lançada na quinta-feira passada, em São Paulo, Paulo Autran, ainda no palco, foi protagonista de uma cena simples. Tão simples que, por alguns instantes, fez sumir a imagem mítica do ator, diluída diante de um bolo cheio de velas.

Difícil não ser tocado pela riqueza do texto e, em especial, pela grandiosidade do personagem encarnado por Paulo Autran - atormentado pelas saudades de um grande amor, um premiado escritor isola-se numa ilha, onde ameniza a solidão com prostitutas, bebida, literatura e música erudita. Termina o espetáculo. Sem entender, vejo subir ao palco um grupo de pessoas que seguravam um bolo; todos passaram a entoar o familiar "Parabéns a Você".

Aquela cena, distante das conturbadas e complexas emoções do palco, praticamente rendeu um novo texto. Paulo Autran fazia 80 anos. Alguém chegar a essa idade trabalhando como ele, com tamanho vigor e encanto, é a síntese do ideal da educação.

Para ele, "teatro é a arte eternamente em crise". Isso significa que o ator está eternamente em crise, aberto ao aprendizado das novas possibilidades. Viver, em suma, é aprender; envelhecer é perder a curiosidade.

Educar é ensinar o encanto da possibilidade - o resto é mero detalhe. Daí a esterilidade de certos debates travados durante a época das eleições, quase todos equivocados sobre o que deveria fazer uma escola.

Uma das bandeiras de Paulo Maluf é o fim da chamada "progressão continuada". O ataque - que, na semana passada, foi em essência, apoiado por Lula - deu voz ao incômodo de uma parcela expressiva dos professores. "Progressão continuada" é uma política desenvolvida em várias cidades, como São Paulo, contra a repetência: a idéia é fornecer ao estudante recuperação e acompanhamento permanentes para que não repita o ano. De acordo com esse sistema, deixa de existir o aluno que, por não ir bem em uma só matéria, volta à estaca zero.

Argumenta-se (e com razão) que muitos alunos conseguem prosperar apesar de despreparados. Mas descobrem-se casos de estudantes analfabetos e semi-analfabetos, que acabam sendo usados como pretexto para defender a prática anterior. O professor sente-se indefeso (e também com certa dose de razão) sem o instrumento da repetência.

Com poucas exceções, a escola pública é ruim. E não há propaganda oficial capaz de esconder essa obviedade: o professor é mal remunerado e mal treinado, as classes são lotadas, as bibliotecas não têm monitores preparados, os laboratórios são falhos. Isso apesar de muitos avanços.

Na semana passada, divulgaram-se mais pesquisas que mostram como a escola virou cenário dos mais variados tipos de violência. Até mesmo contra o professor. Surgem notícias, como aconteceu na sexta-feira passada, sobre professores que vendem drogas para estudantes.

Colocar a culpa do baixo desempenho escolar no aluno é apenas uma manifestação de ignorância pedagógica. Repetir não ajuda a ensinar: é apenas uma punição que estimula a evasão. Destrói o auto-respeito, as vítimas se sentem culpadas de sua "burrice". É um massacre psicológico. É como se apontassem para as vítimas de um delito e dissessem: "Vocês são culpados".

Outra modalidade de ignorância pedagógica, algo que afeta não só as escolas públicas mas muitas das privadas, é imaginar que a escola deve apenas sistematizar e transmitir conteúdos. Talvez esse modelo de escola sirva para treinar o aluno para fazer provas, para passar no vestibular, mas é inútil numa sociedade que exige aprendizagem permanente. Por isso faz sentido a proposta de Ciro Gomes, ou seja, um vestibular de três anos, com provas semelhantes às do Enem, que exigem associação de idéias e de informação.

Todos os candidatos -Serra, Lula, Ciro e Garotinho - defendem, em maior ou menor grau, algum tipo de cota nas universidades - o que, aliás, pega bem num ano eleitoral. As cotas são defensáveis, mas, com esse nível de ensino público, o que se vai fazer é jogar na universidade centenas de milhares de jovens despreparados. Se não receberem um reforço para recuperar o que deixaram de aprender ao longo da vida, estará desmoralizado o projeto de democratizar o ensino superior.

A cultura da repetência manda a mensagem de que prazer e aprendizado nunca combinam. Não leva em conta que as pessoas têm um tipo de habilidade a ser desenvolvido - e que o papel da escola é ser um espaço de descoberta de talentos e de estímulo à curiosidade. Cabe a ela apostar que qualquer um pode, como Paulo Autran, envelhecer aprendendo.

Não é o aluno que tem de se adaptar à escola ruim, é a escola ruim que tem de melhorar para atender ao aluno.

P.S. - Pena que tenha surgido em ano eleitoral e em final de governo, mas está correta a iniciativa, lançada na semana passada pelo Ministério da Educação, de patrocinar cursinhos pré-vestibulares comunitários e de distribuir ajuda de custo aos seus alunos.

 
 
                                               Subir