Silvio
Santos escreve a novela "Celebração"
Silvio
Santos superou o dramalhão das novelas mexicanas do
SBT ao afirmar, na semana passada, que estava com os dias
contados.
Veja o
enredo. O personagem é um homem que, em sua juventude,
foi camelô e depois se tornou um bilionário popular
entre os pobres que ganhou notoriedade distribuindo ilusões
em seus programas de televisão.
É
traído pelo coração. Paciente terminal,
submete-se a sessões de transfusão de sangue.
Perde 11 quilos. Somem os traços de beleza do seu rosto.
Magro, fragilizado, não pode mais andar. Acaba em uma
cadeira de rodas. A voz -que o fizera famoso desde os tempos
de camelô- vai deixando de ser ouvida.
Deprimido,
não quer mais voltar mais para o Brasil. Condena-se
a viver para sempre longe dos milhões de fãs.
Resigna-se a morrer solitário no condomínio
em que mora na Flórida. Nome do condomínio:
Celebration. Ou seja, celebração.
Altivo
na sua dor, encontra forças para consolar a mulher,
uma fervorosa evangélica. O importante, reflete o bilionário
terminal, é a eternidade. Aquele que foi tão
rico e tão poderoso passa a desprezar, na solidão
da sua cadeira de rodas, a mesquinharia terrena: o dinheiro,
a fama, os índices de audiência.
Não
há dinheiro nem sucesso que possam salvá-lo.
Comunica-se agora, de olho na eternidade, com Deus, a quem
tenta vender a salvação de sua alma.
O que teria levado Silvio Santos a produzir esse dramalhão?
Loucura? Deboche? No momento em que a repórter lhe
telefonou, estaria tomado por um monumental tédio e,
para se divertir, teria inventado a explosiva entrevista?
Para alguns
dos principais executivos do SBT, Silvio Santos fez uma brincadeira
de marketing -possivelmente para valorizar futuros programas
da emissora, que vão explorar "notícias
bombásticas" e "escândalos".
O mau
gosto seria algo, portanto, calculado por um gênio da
comunicação. Numa única entrevista, de
poucos minutos, ganhou milhões em mídia espontânea.
No final, vai ganhar centenas de milhões de reais.
Se os
executivos do SBT estiverem certos, Silvio Santos joga o jogo
da sociedade contemporânea: para aparecer, vale fazer
qualquer coisa. Está tão difícil aparecer
na era dos tais 15 minutos de fama que se utilizam até
mesmo as trevas da vida privada para fazer autopromoção.
O dramalhão
da novela, que bem poderia chamar-se "Celebração",
é mais um enredo a provar que o abuso do marketing
está decretando o fim da privacidade.
Silvio
Santos pode até ter exagerado, mas o que se vê
por todos os cantos é a seguinte regra: aos olhos do
público, o indivíduo não vale pelo que
sabe, pelo que é nem pelo que tem, mas por quanto aparece.
Tal síndrome
do "vale quanto aparece" é visível
entre os mais jovens, para quem o sucesso é um valor
supremo. Nem que seja assegurado por um desses programas como
"Casa dos Artistas" ou "Big Brother".
No entanto,
relembrando o chavão, fácil vem, fácil
vai.
Provas
abundantes dessa fugacidade aparecem todos os dias na política,
comandada cada vez mais pelos especialistas em opinião
pública.
Um ótimo
exemplo é a campanha da fome. Várias pessoas
alertaram para a seriedade do tema da fome, que deveria ser
orientado mais por critérios técnicos do que
pela busca de se tornar uma marca registrada de um governo.
O resultado
está aí: quase não se fala mais na campanha
contra a fome. Na semana passada, a fome só virou notícia
porque reuniu empresários que se dispuseram a dar dinheiro
para o programa numa cerimônia em que uma das atrações
seria o primeiro discurso da primeira-dama -discurso que acabou
não ocorrendo.
Virou
também notícia porque o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso, para se autovalorizar, resolveu atacar o
programa contra a fome, chamando-o de "demagógico".
Quis mostrar como eram boas suas ações sociais.
Aí
está, aliás, mais um exemplo das futilidades
de marketing. Lula jura que quase todos os seus problemas
foram provocados pela "herança maldita" e
nada têm a ver com as inseguranças provocadas
pelo PT. E FHC se comporta como se não tivesse nenhuma
responsabilidade pela crise - ele, que prejudicou a economia
para se reeleger e nos faz até hoje pagar o preço
disso.
O problema
do excesso de manipulação mercadológica
faz com que idéias e programas que buscam holofotes
tenham destino semelhante ao do dramalhão de Silvio
Santos - tudo se torna passageiro, entre o fútil e
o inútil.
PS - Por
falar em imagem e em celebração, a assessoria
presidencial deveria estar atenta aos insistentes rumores,
transmitidos por empresários, sobre o comportamento
de Lula nas festas, cuja descontração e informalidade
iriam além do que consideram aceitável para
um presidente da República.
|
|
|
Subir
|
|
|