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A
cadela Michelle, a modelo Gisele e a prefeita Marta
A cadela
Michelle, a fox terrier do presidente Lula, gerou, na semana
passada, atritos entre parlamentares devido à carona
que recebeu de um veículo oficial até a Granja
do Torto, onde ocorria reunião ministerial. "Quero
saber quanto custou", reclamou um senador, encaminhando
requerimento de explicações à Presidência
da República.
A imprensa
fez cálculos detalhados sobre o custo do combustível
gasto do Palácio do Planalto até a Granja do
Torto, para que o presidente pudesse usufruir, naquele cenário
bucólico, da presença de sua cachorrinha. O
assunto repercutiu em todo o país e gerou constrangidas
justificativas oficiais. O constrangimento se acentuou porque,
nos últimos dias, pesquisas apontaram perda de popularidade
do governo.
Os parlamentares
do PT defenderam -e com certa dose de razão- que era
bobagem e mesquinharia usar a carona canina para criticar
o zelo ético de um governo. Talvez, muito provavelmente,
não fossem tão complacentes se a mascote pertencesse
a um adversário, mas aí já é outro
problema.
O relevante
nesse caso não é a carona, mas a extrema (e
crescente) sensibilidade da opinião pública
em relação a tudo o que insinue ser um desperdício
de recursos públicos ou deslumbramento das autoridades.
Na mesma semana em que a cadela Michelle foi o centro de uma
polêmica sobre supostas mordomias oficiais, a modelo
Gisele Bündchen depositava, enfim, o cheque que havia
prometido para a campanha de combate à fome. Foi uma
das doações filantrópicas mais comentadas
dos últimos tempos -afinal, abalou a imagem, já
abalada, do programa Fome Zero.
Depois
da divulgação da foto publicitária em
que a modelo entregava um envelope ao ministro José
Graziano, descobriu-se que não existia, efetivamente,
nenhum cheque -o gesto não passou de uma promessa.
E nem se sabia onde seria feito o depósito pela simples
razão de que não se conhecia o número
da conta.
É
um caso magistral de abuso de marketing. Encenou-se, com direito
a uma chuva de flashes, a doação de um cheque
que não existia para uma conta que também não
existia. Era natural que, uma vez descoberta a encenação,
a imagem do ministro -administrador de um plano que, a rigor,
ainda não existe, senão como piloto- ficasse
arranhada.
A modelo
apressou-se em pagar o que prometera, e o governo, em divulgar
a conta. Enquanto isso, a opinião pública oscilava
entre o deboche e a irritação.
Mais uma vez, a exemplo do caso Michelle, o caso Gisele transmitiu
a suspeita de que gente poderosa e influente esteja desperdiçando
recursos.
São várias as pesquisas que detectam a supersensibilidade
popular, sinal da falta de paciência num país
que parece teimar em não sair da crise -uma crise gerada,
em larga medida, por um poder público que gasta mais
do que arrecada e, pior, muitas vezes gasta mal (sem contar
que não pára de arrecadar cada vez mais).
A prefeita
de São Paulo, Marta Suplicy (PT), tem em mãos
levantamentos que mostram que uma simples viagem com seu marido
Luís Favre desgastou a sua imagem mais do que muitas
das controversas iniciativas de seu governo. Ela estava em
Paris enquanto a cidade vivia uma greve de ônibus e
enfrentava, como é comum nessa época do ano,
enchentes.
Se estivesse
em São Paulo, não teria, naquelas circunstâncias,
evitado a greve nem estancado as enchentes. A leitura, porém,
foi a de que ela se divertia levianamente em Paris enquanto
a cidade era castigada.
Se se apega, muitas vezes, a detalhes insignificantes, essa
supersensibilidade é, ao mesmo tempo, uma arma para
o avanço social.
Por conta
das críticas ao Fome Zero, técnicos do governo
se sentem mais estimulados a criar um cadastro único
para identificar todos os indivíduos que recebam recursos
de renda mínima de qualquer esfera de governo, evitando
os desperdícios.
O Ministério
do Trabalho preferiu adiar o lançamento do programa
de primeiro emprego para evitar desgastes, firmando as parcerias
e preparando sua estrutura administrativa.
Se as
reformas previdenciárias forem aprovadas, terá
sido porque os brasileiros se terão convencido de que
aqueles privilégios para os servidores públicos
são intoleráveis.
PS - Magnífico exemplo de desperdício: em apenas
uma semana em São Paulo (em uma só semana),
são empregados, em média, 4.818 policiais, usando
1.774 veículos, para fazer 7.151 escoltas de presos
para depor nos tribunais. Percorrem-se 267 mil quilômetros.
Para enfrentar esse problema, desenvolve-se, em São
Paulo, uma experiência: a criação de uma
sala de audiências virtual, na qual o preso pode ser
acompanhado de seu advogado e o juiz faz o interrogatório
pelas câmeras, vendo tudo pelos monitores. A idéia
é reproduzir essas audiências, instalando a sala
nos presídios. Uma articulação de advogados
que alegam que esse tipo de virtualidade dificulta o direito
de defesa está tentando, judicialmente, acabar com
essa experiência -o que me parece mais uma reação
à novidade tecnológica do que apego aos direitos
civis.
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