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Falta
de curiosidade faz mal à saúde
Nunca
houve um arquiteto brasileiro tão festejado como Oscar
Niemeyer; aliás, em qualquer lugar do mundo, são
raros os arquitetos tão reverenciados internacionalmente.
É um sucesso que já dura, sem interrupção,
mais de cinco décadas.
Se quisesse,
poderia estar aposentado, montado na glória, mas, como
se viu na semana passada, ele continua brigando. Indignado,
esperneou contra promotores que tentam barrar a construção
de um auditório que projetou para o parque Ibirapuera,
para concluir, 50 anos depois de inaugurada, a obra até
hoje inacabada. A defesa do direito à justiça
se confunde, na sua indignação, com a do direito
à beleza.
O que
importa neste artigo não é a fama do arquiteto,
nem a elegância das obras que construiu, nem mesmo as
brigas provincianas que vêm ocorrendo em torno de um
parque, mas um detalhe biológico: Niemeyer tem 93 anos,
dá dicas sobre o segredo da juventude e ajuda a discutir
a reforma da Previdência.
Chegar a essa idade brigando e criando mostra que um dos segredos
da juventude reside em nunca querer parar, não fazer
da aposentadoria um projeto de vida. O cérebro dele,
assim como o de todos os idosos que permanecem jovens, está
sempre funcionando a serviço da curiosidade; o último
projeto é sempre encarado como se fosse o mais importante.
Essa dimensão
não aparece, nem de raspão, no debate sobre
a reforma previdenciária, alimentada de estatísticas
sobre rombos orçamentários e de análises
que dissecam as bases de sustentação política
do governo. Um drama humano é reduzido ao frio cálculo
atuarial.
Levas
de funcionários públicos, muitos dos quais professores
universitários, pedem aposentadoria e entram na lista
dos chamados "inativos" -uma palavra que, para começo
de conversa, deveria ser considerada ofensiva. No dicionário
"Aurélio", significa, além de aposentado,
paralítico, inerte ou paralisado.
Não importa aqui de quem é a culpa da correria
em busca da "inatividade" nem se a aposentadoria
pública é ou não um privilégio,
mas mostrar como é degradante fazer da aposentadoria
um projeto de vida -degradante física e psicologicamente.
"Quem
imagina que vai encontrar o paraíso quando parar de
trabalhar, sem conseguir ocupar o tempo com algo criativo,
o que vai encontrar é o inferno", afirma Cássio
Bottino, que coordena os programas de terceira idade do Instituto
de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
Ele constata
que uma expressiva parcela dos idosos sofre de depressão.
É um problema que favorece uma série de doenças:
a depressão, como está provado, abala o sistema
imunológico. O impacto psicológico é,
segundo Bottino, especialmente devastador para quem não
aprendeu a separar a identidade do trabalho e a fazer coisas
diferentes.
Viver torna-se passar o tempo, de mau humor, ranzinza, administrando
doenças e lamentando perdas, numa paralisia espiritual.
É o que, certa vez, disse o ator Paulo Autran, ativo
em seus 80 anos: "Tenho pena do aposentado que fica em
casa infernizado a mulher e olhando a morte à frente
dele".
É
uma opinião fundada em pesquisas científicas.
Pesquisadores americanos mostraram que o idoso ocupado -o
que revela um olhar positivo e curioso- tende a viver até
sete anos a mais do que aquele que se acomodou.
Fala-se - e com certa dose de razão - que se aposentar
cedo e com salário integral é um privilégio
se levados em conta os padrões nacionais. Será
mesmo um privilégio? Passar o resto dos dias à
espera da morte, desocupado, não é um privilégio,
mas uma maldição; é o conforto de uma
cadeira de rodas para quem pode andar.
Dá
pena (infelizmente, a palavra é essa mesma) ver o desespero
de gente ainda jovem, especialmente professores universitários,
vendo-se obrigada a requisitar a aposentadoria; pena pelo
país que perde gente altamente qualificada, pena pelo
profissional sem perspectiva, abandonado ao tédio,
ainda mais frágil diante do desemprego.
Novos
remédios e tratamentos médicos, combinados com
atitudes mais saudáveis, fazem com que cresça
o número de idosos no país, criando uma bomba
social, o que exige dos governos uma política para
a velhice. Que fazer com tanto tempo disponível?
Se existe
algum sonho na aposentaria, esse sonho é poder fazer
mais e melhor aquilo de que se gosta -esse é o valor
a ser cultuado e ensinado já aos mais jovens. É
o que faz Niemeyer, aos 93 anos, continuar brigando pela beleza
de um parque que nem sequer fica em sua cidade - e, mesmo
que ficasse, não seria visto por ele durante muito
tempo.
PS - O envelhecimento não vai fazer mal ao presidente
Lula. Na semana passada, ele mostrou, com suas frases desastradas,
provocadas pela compulsão retórica, como ainda
está imaturo. Não aprendeu a avaliar o peso
de uma palavra presidencial. Só assim se explica ele
ter dito que a mudança virá, com ou sem Congresso
e Judiciário, e que, nos próximos dias, começará
o espetáculo do crescimento. É o velho problema
dos palácios: excesso de bajuladores e pouca gente
com coragem para uma conversa franca.
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