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27/02/2009

Confira entrevista com Howard Gardner, psicólogo e professor da Universidade Harvard

O pensador que mais brilhou no exclusivo seminário do Fórum Econômico Mundial sobre Idéias Inovadoras, realizado em Genebra e depois em Davos, no ano passado, foi o psicólogo Howard Gardner. Ele foi o destaque da 6ª lista anual organizada pela Harvard Business Review e falou sobre a Mente Sintetizadora, que a revista considerou "a mais importante idéia única emergente" como traço de personalidade e formação para futuros líderes.

Gardner, que é professor de Educação e co-diretor do Projeto Zero, no Harvard Graduate School of Education, professor adjunto de Neurologia na Boston University School of Medicine e ganhador do Mac Arthur Prize Fellowship em 1981, escreveu 20 livros traduzidos em 23 idiomas. Treinado como neuropsicólogo, começou a carreira estudando as fases do aprendizado infantil e os reflexos na inteligência de adultos com lesões cerebrais.

Mas em Davos, esse educador consagrado foi promovido a pensador indispensável também na área dos negócios, gestão de empresas e governança.

Ao contrário de teóricos que emergem da obscuridade enunciando palavras e modismos de vida curta, Gardner vem de uma longa e sólida carreira que começou com a derrubada de um dogma quase secular de gestão de recursos humanos.

O alvo de sua iniciação foi o conceito de Quociente de Inteligência, o QI, que assombrou a educação e a vida profissional de centenas de milhões de pessoas desde que foi introduzido no início do século passado. Baseado na idéia de que existe uma inteligência genérica e única mensurável por meio de testes, o QI condenou prematuramente muita gente talentosa.

Em 1983, Gardner desamarrou essa camisa de força da educação e da avaliação profissional com um livro que já entrou para o rol das obras clássicas na área. Com Estruturas da Mente ( Editora ArtMed, R$39,20), Gardner enumera nada menos que oito ou nove delas - ou 8 e ½, como ele gosta de contar, lembrando o clássico filme de Federico Fellini.

Além dos talentos tradicionais, como o raciocínio lógico matemático e o lingüístico, Gardner agregou as habilidades para tarefas especiais, musicais (ele é pianista também), interpessoais, intrapessoais, físico-cinestésicas (como a dança), naturalistas e existenciais. A inteligência deixou de ser uma coisa em si para ser concebida mais como um potencial para diversos tipos de exigências profissionais e sociais.

Agora, como explicou em entrevista por e-mail a Época NEGÓCIOS, Gardner parte para uma nova etapa em seu currículo. Com o livro Cinco Mentes para o Futuro, com lançamento previsto para março de 2007 pela editora ArtMed, ele se afasta da psicologia para ensaiar a formulação de políticas educacionais e sociais. Também deixa em segundo plano a preocupação com inteligências para destacar o papel das mentes, ou modos de pensar.

Não é uma lista científica, como ele próprio explica na entrevista. As cinco mentes não são como tijolos básicos que podem ser agrupados para compor algum todo orgânico, mas sim observações empíricas sobre as qualidades que mais serão valorizadas e úteis no futuro imediato.

A primeira dessas mentes é a sintetizadora, que domina várias disciplinas e sabe separar o útil e relevante na enxurrada de informações da era moderna. Se poucas décadas atrás a quantidade de informações era um trunfo essencial, agora, com a internet e a proliferação das fontes, se tornou um problema. É essa habilidade que o prêmio Nobel de física Murray Gell-Man, o teórico que criou os quarks, constituintes fundamentais da matéria, considera a mais importante no futuro.

A mente disciplinaria deve dominar as ciências, história, filosofia e literatura. O dono desse talento não precisa ser um gênio em muitas áreas, mas deve ser capaz de pensar como um especialista. A criativa é a que materializa a tradicional busca pela inovação, seja na arte, na ciência a na tecnologia ou na política, como fizeram Einstein e Mozart, por exemplo.

Finalmente, Gardner aponta duas habilidades que normalmente não são associadas a um know-how, mas sim a virtudes morais: a mente ética e a respeitosa.

Num mundo globalizado, onde as visões culturais separadas pela história entram em choque, o cultivo da mente respeitosa é essencial para evitar que a civilização naufrague em guerras e impasses preconceituosos. Na empresa, a mente respeitosa cuida para que o ambiente interno da firma supere o inferno da concorrência desenfreada e danosa. A mente ética deve zelar pela distinção entre o certo e o errado, separação cada vez mais nebulosa num mundo cada vez mais movido pelo cinismo e pela busca de resultados a qualquer preço.

Como Gardner ressalta na entrevista abaixo, a idéia é que a educação e as práticas sociais e corporativas cultivem essas cinco habilidades. A escola, ressalta, não é mais o único ambiente para a formação, mas deve prosseguir por toda vida, nos seminários, cursos e contatos pessoais. E, segundo ele, o grande desafio é conciliar esses talentos. Afinal, alerta ele para as armadilhas das psicologias baratas de auto-ajuda, os excessos das mentes disciplinaria e a sintetizadora podem facilmente sufocar a criatividade.

Pior: ele explica no livro que qualquer área do conhecimento que seja bem entendida logo será automatizada e transformada numa espécie de commodity. Desenvolver um mix consistente de pluralidade que permita uma espécie de sinergia será o grande prêmio do futuro imediato, tanto na vida pessoal quanto na governança e nos negócios.

Época NEGÓCIOS - Atualmente, qual a melhor combinação de mentes para os negócios?

Howard Gardner -Os cinco tipos de mentes descritos em meu livro são os mais importantes para os negócios hoje e no futuro. Não acho apropriado hierarquizá-los. Mas quero ressaltar que, às vezes, aparecem tensões entre os tipos de mentes. Por exemplo, a mente respeitosa conflita com a mente criativa ou com a mente ética. Por causa disso, é um desafio real sintetizar e integrar os cinco tipos de mentes.

NEGÓCIOS - Seu novo livro Cinco Mentes para o Futuro é uma mudança de rota na sua obra?

Gardner - Tenho escrito como psicólogo sobre como a mente funciona. Agora escrevo como formulador de políticas. Quer dizer, sobre que tipos de mentes devemos desenvolver no futuro se quisermos que as sociedades sobrevivam e prosperem.

NEGÓCIOS - Até agora, o Senhor tem escrito sobre os oito ou nove tipos de inteligência, mas agora fala em cinco tipos de mentes. Por que mentes em vez de inteligências?

Gardner - As discussões sobre inteligências são sobre como a mente é organizada e como ela se desenvolveu. Venho escrevendo sobre inteligências como psicólogo. Agora uso o termo mente para designar tipos de capacidades que imagino que nós precisamos desenvolver nos jovens e trabalhadores. Escrevo sobre cinco tipos de mentes como formulador de políticas.

NEGÓCIOS - Que exemplos de pessoas reais o Senhor associa aos cinco tipos de mentes descritos no seu livro?

Gardner - Um exemplo da mente disciplinária é o pianista Vladimir Horowitz, por sua excelência técnica. Já o biólogo e paleontólogo Stephen Jay Gould era uma mente sintetizadora. A escritora Virginia Woolf era uma mente criativa. O presidente Jimmy Carter é uma mente respeitosa. Finalmente, Nelson Mandela é uma mente ética.

NEGÓCIOS - Outro exemplo de mente sintetizadora que o Senhor cita como uma das melhores de todos os tempos, Charles Darwin, está sob ataque especialmente nos Estados Unidos por causa da Teoria da Evolução. Como o Senhor vê isso?

Gardner - Quase todos os cientistas ou leigos instruídos nos Estados Unidos aceitam Darwin e a psicologia evolucionária. Mas temos fortes grupos religiosos fundamentalistas e evangélicos que somam quase a quarta parte da população. Por razões religiosas, eles aceitam a versão literal da Bíblia e, portanto, rejeitam a Teoria da Evolução. Isso é lamentável.

NEGÓCIOS - Existe algum tipo de mente ou inteligência intrinsecamente má?

Gardner - Todo tipo de inteligência pode ser usada tanto para o bem como para o mal. Tanto Nelson Mandela como Slobodan Milosevic são exemplos de inteligência interpessoal. Eles apenas fazem usos opostos desses talentos. Os três tipos de mentes - a disciplinária, a criativa e a sintetizadora - podem estar a serviços do bem ou do mal. Osama Bin Laden provavelmente é muito bom nesses três tipos de mente. Mas as mentes éticas e respeitosas são inerentemente benignas. Pessoas que não as têm são desrespeitosas e antiéticas. Pessoas preconceituosas são desrespeitosas. Profissionais fraudulentos são antiéticos.

NEGÓCIOS - Os sistemas de taxonomia ou de classificações da ciência em geral fazem divisões em categorias excludentes. Se uma classe pode ser reduzida a outra ela não é independente. O Senhor pensa que suas divisões de mentes e inteligências cumprem essas exigências?

Gardner - Minha lista de inteligências representa o que acho ser minha melhor descrição da mente humana. Cada uma das inteligências certamente têm sub-componentes, mas mantenho minha lista. Os cinco tipos de mentes não representam qualquer tipo de hipótese científica. É apenas uma lista de tipos de capacidades mentais que precisamos para desenvolver no futuro. É claro que elas podem ser expressas de outros modos ou agrupadas de outras maneiras.

NEGÓCIOS - Como o Senhor trabalha para compor e desenvolver novas idéias? Observando pessoas, fazendo perguntas, por introspecção? Que tipo de pesquisas o Senhor faz?

Gardner - Sou um sintetizador, um pensador deliberadamente interdisciplinar. Faço pesquisas empíricas. A idéia das mentes respeitosas e ética vieram do Projeto GoodWork (goodworkproject.org), um estudo em larga escala de 1.200 profissionais em nove ocupações diferentes. Mas a maior parte do meu trabalho vem de leituras amplas, conversas com pessoas, visitas a outros países, participando de encontros e seminários e refletindo muito sobre tudo que ouço e vejo. Também me beneficio de boas críticas de colegas e da minha família.

NEGÓCIOS - O Senhor também usa estudos sobre o desenvolvimento da inteligência infantil ou dos efeitos na inteligência causados por lesões cerebrais, como faz seu amigo, o neurocientista António Damásio?

Gardner - Meus estudos sobre inteligência se fundamentaram, como você disse, em estudos empíricos com crianças e adultos com lesões cerebrais. Não trabalho mais com adultos com danos cerebrais, mas por coincidência passei os últimos três dias com o António e a Hanna Damásio e aprendi bastante com as últimas pesquisas deles sobre as capacidades morais, sociais de emocionais do cérebro. Atualmente faço estudos em larga escala do sentido da verdade, na ética das crianças nas novas mídias digitais. Isso vai alimentar uma obra futura que estou preparando.

NEGÓCIOS - Como o Senhor avalia o uso de novas instrumentações como os tomógrafos computadorizados na pesquisa da mente e da inteligência?

Gardner - As novas tecnologias de imagens digitalizadas vão afinar nosso entendimento das capacidades mentais, incluindo as várias inteligências. Pessoalmente, não faço esses estudos e pesquisas, mas acompanho esses resultados regular e cuidadosamente, como fiz nesse fim de semana conversando com António Damásio e outros neurocientistas.