O
pensador que mais brilhou no exclusivo seminário do
Fórum Econômico Mundial sobre Idéias Inovadoras,
realizado em Genebra e depois em Davos, no ano passado, foi
o psicólogo Howard Gardner. Ele foi o destaque da 6ª
lista anual organizada pela Harvard Business Review e falou
sobre a Mente Sintetizadora, que a revista considerou "a
mais importante idéia única emergente"
como traço de personalidade e formação
para futuros líderes.
Gardner, que é professor de Educação
e co-diretor do Projeto Zero, no Harvard Graduate School of
Education, professor adjunto de Neurologia na Boston University
School of Medicine e ganhador do Mac Arthur Prize Fellowship
em 1981, escreveu 20 livros traduzidos em 23 idiomas. Treinado
como neuropsicólogo, começou a carreira estudando
as fases do aprendizado infantil e os reflexos na inteligência
de adultos com lesões cerebrais.
Mas em Davos, esse educador consagrado foi promovido a pensador
indispensável também na área dos negócios,
gestão de empresas e governança.
Ao contrário de teóricos que emergem da obscuridade
enunciando palavras e modismos de vida curta, Gardner vem
de uma longa e sólida carreira que começou com
a derrubada de um dogma quase secular de gestão de
recursos humanos.
O alvo de sua iniciação foi o conceito de Quociente
de Inteligência, o QI, que assombrou a educação
e a vida profissional de centenas de milhões de pessoas
desde que foi introduzido no início do século
passado. Baseado na idéia de que existe uma inteligência
genérica e única mensurável por meio
de testes, o QI condenou prematuramente muita gente talentosa.
Em 1983, Gardner desamarrou essa camisa de força da
educação e da avaliação profissional
com um livro que já entrou para o rol das obras clássicas
na área. Com Estruturas da Mente ( Editora ArtMed,
R$39,20), Gardner enumera nada menos que oito ou nove delas
- ou 8 e ½, como ele gosta de contar, lembrando o clássico
filme de Federico Fellini.
Além dos talentos tradicionais, como o raciocínio
lógico matemático e o lingüístico,
Gardner agregou as habilidades para tarefas especiais, musicais
(ele é pianista também), interpessoais, intrapessoais,
físico-cinestésicas (como a dança), naturalistas
e existenciais. A inteligência deixou de ser uma coisa
em si para ser concebida mais como um potencial para diversos
tipos de exigências profissionais e sociais.
Agora, como explicou em entrevista por e-mail a Época
NEGÓCIOS, Gardner parte para uma nova etapa
em seu currículo. Com o livro Cinco Mentes para
o Futuro, com lançamento previsto para março
de 2007 pela editora ArtMed, ele se afasta da psicologia para
ensaiar a formulação de políticas educacionais
e sociais. Também deixa em segundo plano a preocupação
com inteligências para destacar o papel das mentes,
ou modos de pensar.
Não é uma lista científica, como ele
próprio explica na entrevista. As cinco mentes não
são como tijolos básicos que podem ser agrupados
para compor algum todo orgânico, mas sim observações
empíricas sobre as qualidades que mais serão
valorizadas e úteis no futuro imediato.
A primeira dessas mentes é a sintetizadora, que domina
várias disciplinas e sabe separar o útil e relevante
na enxurrada de informações da era moderna.
Se poucas décadas atrás a quantidade de informações
era um trunfo essencial, agora, com a internet e a proliferação
das fontes, se tornou um problema. É essa habilidade
que o prêmio Nobel de física Murray Gell-Man,
o teórico que criou os quarks, constituintes fundamentais
da matéria, considera a mais importante no futuro.
A mente disciplinaria deve dominar as ciências, história,
filosofia e literatura. O dono desse talento não precisa
ser um gênio em muitas áreas, mas deve ser capaz
de pensar como um especialista. A criativa é a que
materializa a tradicional busca pela inovação,
seja na arte, na ciência a na tecnologia ou na política,
como fizeram Einstein e Mozart, por exemplo.
Finalmente, Gardner aponta duas habilidades que normalmente
não são associadas a um know-how, mas sim a
virtudes morais: a mente ética e a respeitosa.
Num mundo globalizado, onde as visões culturais separadas
pela história entram em choque, o cultivo da mente
respeitosa é essencial para evitar que a civilização
naufrague em guerras e impasses preconceituosos. Na empresa,
a mente respeitosa cuida para que o ambiente interno da firma
supere o inferno da concorrência desenfreada e danosa.
A mente ética deve zelar pela distinção
entre o certo e o errado, separação cada vez
mais nebulosa num mundo cada vez mais movido pelo cinismo
e pela busca de resultados a qualquer preço.
Como Gardner ressalta na entrevista abaixo, a idéia
é que a educação e as práticas
sociais e corporativas cultivem essas cinco habilidades. A
escola, ressalta, não é mais o único
ambiente para a formação, mas deve prosseguir
por toda vida, nos seminários, cursos e contatos pessoais.
E, segundo ele, o grande desafio é conciliar esses
talentos. Afinal, alerta ele para as armadilhas das psicologias
baratas de auto-ajuda, os excessos das mentes disciplinaria
e a sintetizadora podem facilmente sufocar a criatividade.
Pior: ele explica no livro que qualquer área do conhecimento
que seja bem entendida logo será automatizada e transformada
numa espécie de commodity. Desenvolver um mix consistente
de pluralidade que permita uma espécie de sinergia
será o grande prêmio do futuro imediato, tanto
na vida pessoal quanto na governança e nos negócios.
Época NEGÓCIOS - Atualmente,
qual a melhor combinação de mentes para os negócios?
Howard Gardner -Os cinco tipos de mentes
descritos em meu livro são os mais importantes para
os negócios hoje e no futuro. Não acho apropriado
hierarquizá-los. Mas quero ressaltar que, às
vezes, aparecem tensões entre os tipos de mentes. Por
exemplo, a mente respeitosa conflita com a mente criativa
ou com a mente ética. Por causa disso, é um
desafio real sintetizar e integrar os cinco tipos de mentes.
NEGÓCIOS - Seu novo livro Cinco
Mentes para o Futuro é uma mudança de rota na
sua obra?
Gardner - Tenho escrito como psicólogo
sobre como a mente funciona. Agora escrevo como formulador
de políticas. Quer dizer, sobre que tipos de mentes
devemos desenvolver no futuro se quisermos que as sociedades
sobrevivam e prosperem.
NEGÓCIOS - Até agora,
o Senhor tem escrito sobre os oito ou nove tipos de inteligência,
mas agora fala em cinco tipos de mentes. Por que mentes em
vez de inteligências?
Gardner - As discussões sobre inteligências
são sobre como a mente é organizada e como ela
se desenvolveu. Venho escrevendo sobre inteligências
como psicólogo. Agora uso o termo mente para designar
tipos de capacidades que imagino que nós precisamos
desenvolver nos jovens e trabalhadores. Escrevo sobre cinco
tipos de mentes como formulador de políticas.
NEGÓCIOS - Que exemplos de pessoas
reais o Senhor associa aos cinco tipos de mentes descritos
no seu livro?
Gardner - Um exemplo da mente disciplinária
é o pianista Vladimir Horowitz, por sua excelência
técnica. Já o biólogo e paleontólogo
Stephen Jay Gould era uma mente sintetizadora. A escritora
Virginia Woolf era uma mente criativa. O presidente Jimmy
Carter é uma mente respeitosa. Finalmente, Nelson Mandela
é uma mente ética.
NEGÓCIOS - Outro exemplo de mente
sintetizadora que o Senhor cita como uma das melhores de todos
os tempos, Charles Darwin, está sob ataque especialmente
nos Estados Unidos por causa da Teoria da Evolução.
Como o Senhor vê isso?
Gardner - Quase todos os cientistas ou leigos
instruídos nos Estados Unidos aceitam Darwin e a psicologia
evolucionária. Mas temos fortes grupos religiosos fundamentalistas
e evangélicos que somam quase a quarta parte da população.
Por razões religiosas, eles aceitam a versão
literal da Bíblia e, portanto, rejeitam a Teoria da
Evolução. Isso é lamentável.
NEGÓCIOS - Existe algum tipo
de mente ou inteligência intrinsecamente má?
Gardner - Todo tipo de inteligência
pode ser usada tanto para o bem como para o mal. Tanto Nelson
Mandela como Slobodan Milosevic são exemplos de inteligência
interpessoal. Eles apenas fazem usos opostos desses talentos.
Os três tipos de mentes - a disciplinária, a
criativa e a sintetizadora - podem estar a serviços
do bem ou do mal. Osama Bin Laden provavelmente é muito
bom nesses três tipos de mente. Mas as mentes éticas
e respeitosas são inerentemente benignas. Pessoas que
não as têm são desrespeitosas e antiéticas.
Pessoas preconceituosas são desrespeitosas. Profissionais
fraudulentos são antiéticos.
NEGÓCIOS - Os sistemas de taxonomia
ou de classificações da ciência em geral
fazem divisões em categorias excludentes. Se uma classe
pode ser reduzida a outra ela não é independente.
O Senhor pensa que suas divisões de mentes e inteligências
cumprem essas exigências?
Gardner - Minha lista de inteligências
representa o que acho ser minha melhor descrição
da mente humana. Cada uma das inteligências certamente
têm sub-componentes, mas mantenho minha lista. Os cinco
tipos de mentes não representam qualquer tipo de hipótese
científica. É apenas uma lista de tipos de capacidades
mentais que precisamos para desenvolver no futuro. É
claro que elas podem ser expressas de outros modos ou agrupadas
de outras maneiras.
NEGÓCIOS - Como o Senhor trabalha
para compor e desenvolver novas idéias? Observando
pessoas, fazendo perguntas, por introspecção?
Que tipo de pesquisas o Senhor faz?
Gardner - Sou um sintetizador, um pensador
deliberadamente interdisciplinar. Faço pesquisas empíricas.
A idéia das mentes respeitosas e ética vieram
do Projeto GoodWork (goodworkproject.org), um estudo em larga
escala de 1.200 profissionais em nove ocupações
diferentes. Mas a maior parte do meu trabalho vem de leituras
amplas, conversas com pessoas, visitas a outros países,
participando de encontros e seminários e refletindo
muito sobre tudo que ouço e vejo. Também me
beneficio de boas críticas de colegas e da minha família.
NEGÓCIOS - O Senhor também
usa estudos sobre o desenvolvimento da inteligência
infantil ou dos efeitos na inteligência causados por
lesões cerebrais, como faz seu amigo, o neurocientista
António Damásio?
Gardner - Meus estudos sobre inteligência
se fundamentaram, como você disse, em estudos empíricos
com crianças e adultos com lesões cerebrais.
Não trabalho mais com adultos com danos cerebrais,
mas por coincidência passei os últimos três
dias com o António e a Hanna Damásio e aprendi
bastante com as últimas pesquisas deles sobre as capacidades
morais, sociais de emocionais do cérebro. Atualmente
faço estudos em larga escala do sentido da verdade,
na ética das crianças nas novas mídias
digitais. Isso vai alimentar uma obra futura que estou preparando.
NEGÓCIOS - Como o Senhor avalia
o uso de novas instrumentações como os tomógrafos
computadorizados na pesquisa da mente e da inteligência?
Gardner - As novas tecnologias de imagens
digitalizadas vão afinar nosso entendimento das capacidades
mentais, incluindo as várias inteligências. Pessoalmente,
não faço esses estudos e pesquisas, mas acompanho
esses resultados regular e cuidadosamente, como fiz nesse
fim de semana conversando com António Damásio
e outros neurocientistas. |