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no ritmo do coração
03/01/2005
Projeto Surdodum transforma jovens surdos em músicos

Andréia Brito Ferreira, de 29 anos, trabalha no setor de pesquisa de passaportes da Polícia Federal, em Brasília. Ela não pôde concluir a faculdade porque não possuía meios financeiros para continuar. Nas horas vagas, Andréia participa de ensaios para, nos fins de semana, apresentar-se como cantora. Esta poderia ser a rotina de qualquer jovem de Brasília, mas algo em especial diferencia Andréia das outras pessoas: ela tem surdez profunda. Porém, isso não a impede de cantar. Andréia desenvolveu esta potencialidade graças ao Surdodum, projeto que se utiliza da batida do coração para ensinar percussão, música e canto a 30 jovens surdos do Distrito Federal. O trabalho realizado em Brasília é o único no mundo que usa a música como meio de inclusão social para surdos. Em 2003, o projeto foi premiado pela Fundação Banco do Brasil e passou a integrar o Banco de Tecnologias Sociais da entidade.

“Antes eu só tocava, agora eu canto e interpreto as músicas na língua de sinais. Me sinto nas nuvens quando estou no palco”, conta Andréia, que começou a perder a audição aos cinco anos de idade e aos oito já tinha surdez profunda.

A jovem descobriu o Surdodum na escola, no Centro Educacional Elefante Branco. Lá, ela conheceu a fonoaudióloga e professora Ana Lúcia Soares, idealizadora e hoje coordenadora do projeto. Desde criança, convivendo com uma amiga surda no colégio, Ana Lúcia já sonhava em realizar um trabalho que promovesse a inclusão social dos jovens com surdez. Foi em seu primeiro emprego, no Centro Educacional de Audição e Linguagem Ludovico Paroni (Ceal), uma escola pública especializada no ensino para deficientes auditivos, que Ana Lúcia começou a desenvolver o Surdodum.

Em 1994, a professora, que cantava num grupo de percussão, recebeu um convite para ensinar seus alunos do Ceal a tocarem percussão em um show de fim de ano. A apresentação foi um sucesso. No ano seguinte, Ana Lúcia transformou a idéia em um projeto e o submeteu à Fundação Educacional do Distrito Federal. Em 1995, nascia o Surdodum, que até hoje é desenvolvido no Centro Integrado de Ensino Especial (CIEE) da Secretaria de Educação do Distrito Federal, na Asa Sul. O nome do projeto foi idéia de Clésio Alves, um dos alunos da fonoaudióloga. Seu objetivo era misturar a palavra surdez com o nome do mais importante conjunto de percussão brasileiro, o baiano Olodum.

A surdez se divide em quatro graus: leve, moderada, severa e profunda (surdez total). Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a deficiência auditiva, em seus diversos graus, afeta 10% da população mundial. Nos países desenvolvidos, um em cada mil habitantes é surdo. Nos países em desenvolvimento, o número cresce para quatro em cada cem, conseqüência da falta de políticas primárias de prevenção dos problemas auditivos. Segundo pesquisa do IBGE, no Brasil existem 24,5 milhões de pessoas portadoras de deficiência de qualquer tipo. Desse total, 16,7% apresentam deficiência auditiva, mais de quatro milhões de pessoas.

Apresentações
O grupo Surdodum já participou de programas de TV e hoje faz shows por todo o Brasil. São três formações. A principal é a Banda Show, responsável pelas apresentações. Ela é formada por oito surdos e cinco ouvintes, aqueles que ouvem segundo os surdos. Ana Lúcia, coordenadora do projeto, também canta nas apresentações, ao lado de Andréia e de Luciana Delforge. Outros quatro músicos, voluntários, compõem a Banda Show: Alexandre Macarrão (baixista), Augusto Sousa (tecladista), Arnaldo Barros (guitarrista e compositor) e o maestro Reinaldo Braz.

Duas formações intermediárias, compostas por cinco surdos cada, estão sendo treinadas para futuras apresentações. Eventualmente, os músicos da banda principal fazem apresentações com estes dois grupos. Os ensaios ocorrem duas vezes por semana. Em caso de proximidade dos shows, o grupo chega a se reunir para ensaiar nos fins de semana. Além de composições próprias, a banda toca sucessos de cantores e grupos da MPB como Djavan, Gilberto Gil, Paralamas do Sucesso, Milton Nascimento e Chico Buarque.

Ana Lúcia desenvolve a sensação de ritmo em seus alunos usando as batidas do coração, dos pés, das mãos, a respiração, o relógio, além de informações visuais e concretas. Uma outra técnica de percepção do ritmo se dá por meio da pulsação vibratória da música, principalmente de seus tons mais graves. É mais ou menos o que acontece com qualquer pessoa que ouve uma música bem alta e sente a vibração do som no próprio corpo. No caso do trabalho de vocalização, Ana Lúcia interpreta as músicas para Andréia e para Luciana. As técnicas ajudam os alunos a desenvolverem mais rapidamente a capacidade de falar. Ana Lúcia fica espantada com a rapidez de aprendizagem destes jovens.

“O envolvimento e a concentração deles é tanta que em uma semana eles aprendem a tocar percussão. Uma outra pessoa levaria um mês”, compara a professora.

Melhorando a fala e conseqüentemente sua capacidade de comunicação, os alunos do Surdodum melhoram também sua auto-estima. Mas este não é o único bem do trabalho desenvolvido em Brasília.

“O Surdodum mexe com o senso de responsabilidade. A maioria dos alunos que entra no projeto apresenta uma ascensão global, chegando até a cursar uma faculdade”, conta a professora, orgulhosa.

O trabalho de Ana Lúcia estará em breve à disposição de qualquer pessoa. As músicas tocadas pela banda do Surdodum estão sendo reunidas no primeiro CD do grupo. Em fevereiro, ele será lançado em Brasília. O disco é uma produção independente e reunirá dez músicas de composição própria. Para gravar o CD, o Surdodum teve o apoio da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, do técnico Pauly de Castro e da R&B Mastering Estúdios.

Além do CD, Ana Lúcia fala com emoção de seu novo projeto, o Surdodunzinho, voltado para crianças de 4 a 12 anos. Atualmente, ela tem cinco aluninhos. Em breve, a professora pretende montar uma banda com as crianças.

“Quando as crianças vêem os instrumentos, eu tenho que deixá-las brincarem por pelo menos uns 15 minutos. Se eu não fizer isso, elas passam a aula inteira perturbando”, brinca a professora.

O próximo sonho de Ana Lúcia é transformar o Projeto Surdodum em Instituto, o que daria aos alunos um espaço próprio para os ensaios. Nada mais justo para coroar um trabalho tão bem executado e que tem rendido frutos, o que fica provado em cada apresentação da Banda Show. Mesmo sem poder ouvir os aplausos, os percursionistas especiais têm consciência da qualidade de seu trabalho.

“Nosso objetivo não é exacerbar a deficiência. Fazemos apresentações e as pessoas nem percebem que a banda é composta por surdos. Somos reconhecidos pela qualidade do nosso som. Isto sim é inclusão social”, comemora Ana Lúcia.

DANIELLE CHEVRAND
da Fundação Banco do Brasil

   
 
 
 

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