Vigésimo quinto presidente
nos 34 anos de existência da Fundação
Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) - 11º a ocupar
o cargo desde que o PSDB assumiu o governo estadual, em 1995
-, Alexandre de Moraes completou neste sábado seis
meses no comando do órgão comemorando o que
chama de duro golpe contra os maus-tratos e os casos de tortura,
ao levar para a cadeia dezenas de funcionários acusados
destes delitos. Segundo ele, o desrespeito ao ser humano é
uma das situações mais recorrentes na história
da fundação.
Depois de provocar polêmica
e uma seqüência de cinco rebeliões no Complexo
do Tatuapé após demitir de uma só vez
1.751 funcionários suspeitos de agredir os internos,
Moraes - que acumula o posto com o cargo de secretário
da Justiça e é filiado ao PFL - planeja montar
unidades de internação fora da capital, que
funcionariam como escolas agrícolas. A idéia
é interiorizar a Febem, abrindo caminho para tirar
da capital menores de outras cidades obrigados a cumprir sentenças
judiciais de internação. Ele evita dar endereços
antes de finalizar detalhes, "porque senão amanhã
já vai ter gente com placa na minha porta dizendo que
não quer unidade da Febem".
Outra promessa do presidente da Febem
é criar, até abril, 600 vagas em regime de semi-liberdade
para infratores da capital. O projeto é oferecer curso
profissionalizante de telemarketing, ministrado por técnicos
do Procon, órgão ligado à secretaria
da Justiça.
DIÁRIO - O que avançou
nestes seis meses em que o senhor está no comando?
Alexandre de Moraes - Nos 30 anos de existência
da Febem, a gente verifica quatro problemas centrais: a questão
educacional; a questão de fugas, pois toda unidade
de contenção tem problemas com fugas; a questão
de rebeliões; e o desrespeito à dignidade humana,
isto é, os casos de maus-tratos e de torturas. Nestes
seis meses, nós demos um golpe, que eu diria mortal,
nos maus-tratos e torturas. Pela primeira vez na história,
23 pessoas foram presas por tortura. Foram feitas mais prisões
e hoje temos 43 prisões por tortura. Para mim, o que
tinha de ser erradicado de cara era isso, tanto é que
logo no início determinei que o Imesc (Instituto de
Medicina Social e Criminológica) há cada 15
dias passasse em todas as unidades, sem prévio aviso,
para registrar eventuais torturas.
DIÁRIO - Já
as rebeliões continuam. Tivemos casos diários
na semana que passou?
Alexandre de Moraes - Por que tivemos
uma semana de grandes rebeliões? Porque é uma
mudança drástica que nós fizemos, de
mentalidade. Pegamos um dos grandes complexos e trocamos os
funcionários, separamos o modelo de educação
e contenção e isso gera reações.
Tivemos muito terrorismo de parte de segmentos de funcionários
e do sindicato, dizendo que todo o pessoal técnico
seria demitido, o que gerou instabilidade.
DIÁRIO - E a educação?
Alexandre de Moraes - Pelo estatuto
da criança (ECA), é obrigatório que os
adolescentes internados tenham educação formal.
Quando assumi, percebi que muitos não estão
preocupados com a educação formal. Não
gostavam de estudar fora, em liberdade, imagine então
contidos. Investimos para que em todas unidades possam fazer
cursos profissionalizantes, escolhidos por eles: panificação,
construção civil, informática, hotelaria
e auxiliar de escritório.
DIÁRIO - O senhor se
impôs uma meta à frente da Febem?
Alexandre de Moraes - Uma meta é
insistir na descentralização. Desde janeiro,
estamos estudando a possibilidade de, ao interiorizar a Febem,
transformar o que hoje são unidades de internação
em escolas agrícolas.
DIÁRIO - Como assim?
Alexandre de Moraes - Aproveitar escolas
agrícolas que foram desativadas e aproveitar para que
os internos aprendam profissões rurais. Até
para que o interno do interior continue lá, próximo
da família. Temos hoje cerca de 1.200 internos do interior
que estão na capital. A idéia é levá-los
para perto da família.
DIÁRIO - Em que pé
está isso?
Alexandre de Moraes - Já mapeamos
mais de 30 escolas agrícolas. Nossos técnicos
já visitaram 17, analisando a questão de segurança
e necessidade de reforma, por exemplo. Mais dez dias e as
demais serão vistoriadas, e aí teremos um balanço
das que serão aproveitadas. Agora, sempre com poucos
adolescentes, escolas para 40 ou no máximo 50 jovens.
DIÁRIO - Esse é
um tamanho padrão. Por que não é respeitado?
Alexandre de Moraes - O problema é
que ninguém quer receber uma unidade da Febem. Exatamente
por isso a nossa meta de mudar a mentalidade e construir unidades
não como se fossem presídios, mas escolas mesmo.
Mas com disciplina, contenção, para não
assustar a população.
DIÁRIO - E o regime
de semi-liberdade. Há algum plano para ele?
Alexandre de Moraes - Estamos em fase
avançada para, em torno de 45 dias, colocarmos à
disposição 600 vagas de semi-liberdade para
os internos da capital. O adolescente terá o ensino
formal e um profissionalizante de telemarketing, dado pelos
técnicos do Procon, órgão ligado à
minha secretaria. Há um mercado muito grande nesta
área. Combinamos com o Poder Judiciário que
metade das vagas do semi-liberdade sejam destinadas à
progressão, para os que já estão internados,
e a outra metade para aqueles que praticam um ato infracional,
que eventualmente seriam internados, mas que possam começar
na semi-liberdade.
DIÁRIO - A Febem está
começando um programa em que as mães dos internos
convivem diariamente com eles. Há pouco tempo, tentou-se
fazer com que organizações não-governamentais
gerissem unidades do órgão. Isso não
sinaliza que o governo está sem rumo?
Alexandre de Moraes - Houve um momento
em que o governo pretendeu realizar uma parceria com as entidades,
as ONGs, para que pudessem administrar as unidades de internação.
Nós temos um exemplo que vem dando certo em São
José dos Campos. Por que não prosseguiu? Não
houve interesse das próprias ONGs de assumir as unidades.
Querem participar, mas entenderam que não é
o caso de cuidarem da gerência, pois não estão
habilitadas para fazer a contenção. Mas na semi-liberdade
as organizações mostraram interesse em tocá-las.
DIÁRIO - A Febem fez
uma demissão em massa de funcionários na capital
e em Franco da Rocha, alegando que era para combater os maus-tratos
aos internos. Mas depois recontratou parte dos demitidos.
Não é um contrasenso, pois entre os recontratados
há pessoas suspeitas de prática de tortura?
Alexandre de Moraes - Não.
Algumas mães apontaram que há pessoas que mesmo
sem estar respondendo a inquérito, sem nada na Corregedoria,
são apontadas também como eventuais agressores.
Para dar transparência, passamos a lista para a Amar
(Associação das Mães e Amigos dos Adolescentes
em Risco), para o Ministério Público, com nomes
e apelidos. Pessoas sobre as quais paire alguma suspeita não
vão ter cargo. A idéia é que essas pessoas
voltem, como coordenadores, e que possam ajudar dentro da
nova mentalidade que estamos implantando.
DIÁRIO - Fala-se muito
em acabar com o complexo do Tatuapé, ou com aquele
modelo. Já tem uma data para isso acontecer?
Alexandre de Moraes - O modelo de
grandes complexos não é bom. Temos lá
18 unidades e nesta semana ficou muito claro que às
vezes uma unidade se rebela em solidariedade à outra,
ou por medo de represália. Queremos mudar isso, com
semi-liberdade, com escolas agrícolas, esvaziar cada
vez mais a capital de internos e mandar de volta para o interior
os que são de lá, e a partir daí fazer
uma análise do que fazer com o complexo do Tatuapé.
Atualmente, entram 40 menores por dia na Febem e saem entre
30 e 35. Portanto, não podemos de uma hora para outra
dizer que vamos acabar com o complexo do Tatuapé. Vamos
colocar os adolescentes onde?
EVERALDO GOUVEIA
do jornal Diário de S. Paulo
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