Distribuição
de renda deve ser prioridade econômica
Cristina
Mori
Equipe GD
Escolha a sua
frase preferida: "A questão-chave nos países
em desenvolvimento não é a distribuição
de renda e sim a diminuição da pobreza". Ou:
"A prioridade econômica máxima é o combate
à desigualdade".
No mesmo dia
em que todos os jornais divulgam a declaração do presidente
Fernando Henrique Cardoso minimizando a concentração
de renda brasileira (a primeira das frases acima), a colunista do
site no.com.br, Carla Rodrigues, analisa um documento produzido
pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) que afirma
justamente o oposto (a segunda frase).
FHC acredita
que, no Brasil, ''houve uma pequena desconcentração
de renda e uma forte diminuição da pobreza, com o
fim da inflação''. A estabilidade econômica
teria produzido uma redução de quase 20 pontos percentuais
na linha de pobreza brasileira, segundo o presidente.
Bastaria a análise
do secretário municipal de Trabalho de São Paulo,
Márcio Pochmann, para rebater essas declarações:
''É esquisito esse tipo de avaliação porque
o Brasil tem uma renda per capita de país de renda média.
Se ela fosse melhor distribuída, dois terços dos problemas
de pobreza estariam resolvidos''.
Mas o documento
do Iets, intitulado Desenvolvimento com Justiça Social: Esboço
de uma Agenda Integrada para o Brasil, traz mais argumentos. "Os
autores demonstram que o grande obstáculo ao fim das desigualdades
no Brasil está na naturalidade com que a sociedade brasileira
convive com os abismos sociais", diz Carla.
Naturalidade
presente na declaração de FHC, que encontra eco no
professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec)
e ex-diretor do Banco Central (BC) Carlos Thadeu de Freitas: ''No
mundo moderno, não há como fazer distribuição
de renda. Se tributar o capital, ele foge. Se aumentar impostos
dos bens de consumo dos ricos, gera desemprego e prejudica justamente
os mais pobres''.
É justamente
esse tipo de visão estreita que os estudiosos do Iets - em
sua maioria economistas - tentam combater. "Para atingir o
alvo, o documento parte da premissa - óbvia, mas não
necessariamente consensual - de que o Estado brasileiro é
desigual, promotor de privilégios e incapaz de alcançar
os verdadeiramente pobres com os seus R$ 135 bilhões anuais
de gastos sociais", afirma Carla.
"O documento
critica a 'abordagem tradicionalmente conservadora dos desenvolvimentistas'
e alerta para o fato de que defender crescimento econômico
contra problemas sociais é sinônimo de defender manutenção
dos privilégios da sociedade brasileira, que sempre beneficiou
a poucos", continua.
A idéia
do Iets é contribuir para o debate sobre o futuro do país,
principalmente agora, com as eleições se aproximando.
Candidatos e opinião pública precisarão dizer
o que têm a oferecer aos 1/3 de brasileiros que compõem
a base da pirâmide de distribuição de renda,
até hoje invisíveis para a política econômica.
Leia
mais
- FH minimiza distribuição de renda
- Em busca de um país normal
- Somos
ainda uma nação de analfabetos
Leia
também
-
Desenvolvimento
com justiça social: esboço de uma agenda integrada
para o Brasil
(íntegra do documento)
- Instituto
de Estudos do Trabalho e Sociedade - página da publicação
do documento
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FH
minimiza distribuição de renda
O presidente
Fernando Henrique Cardoso abriu nova polêmica ontem ao afirmar
que ''a questão-chave nos países em desenvolvimento
não é a distribuição de renda e sim
a diminuição da pobreza''. Para ele, há países
em que a desconcentração da renda não significou
a redução da pobreza. ''Não quero especificar,
porque sou presidente, e não posso dar exemplos, mas, disse
Fernando Henrique, durante palestra na abertura da 3ª Conferência
Anual para o Desenvolvimento Global, promovida pelo Banco Mundial
(Bird), num hotel da Zona Sul do Rio.
Na avaliação
do presidente, ''a concentração de renda é
uma coisa enganosa'': ''O ideal seria haver ao mesmo tempo diminuição
da pobreza e da concentração de renda''. Em resposta
a perguntas feitas por pesquisadores de diversos países,
que participaram da conferência, Fernando Henrique disse que
no caso brasileiro ''houve uma pequena desconcentração
de renda e uma forte diminuição da pobreza, com o
fim da inflação''.
De acordo com
ele, a estabilidade econômica produziu uma redução
de quase 20 pontos percentuais na linha de pobreza brasileira. O
presidente também citou programas como Bolsa-Escola como
um dos que contribuíram para a diminuição do
número de pobres no país.
O chefe do Centro
de Políticas Sociais da Fundação Getúlio
Vargas, Marcelo Neri, concorda que é importante reduzir a
pobreza, mas acredita que esse processo deve ser acompanhado de
uma melhor distribuição de renda. ''Só há
duas maneiras de combater a pobreza, crescer ou distribuir renda.
Mas não é possível nem desejável crescer
com os níveis de desigualdade atual'', afirma.
Isso porque
os efeitos nocivos da desigualdade comprometem os resultados positivos
da expansão econômica. ''Há uma série
de fenômenos resultantes de desigualdades que contaminam a
prosperidade da economia, como a violência e a instabilidade
política, que pode ser perniciosa ao crescimento. Além
disso, esse modelo de crescimento que não diminui a desigualdade
acaba não priorizando a educação'', avalia.
Neri lembra que a concentração de renda é a
principal característica do Brasil, conhecido internacionalmente
como um país desigual, assim como a Colômbia é
famosa pela violência.
O secretário
municipal de Trabalho de São Paulo, Márcio Pochmann,
estranhou as declarações do presidente. ''É
esquisito esse tipo de avaliação porque o Brasil tem
uma renda per capita de país de renda média. Se ela
fosse melhor distribuída, dois terços dos problemas
de pobreza estariam resolvidos'', diz. Para Pochmann, o combate
à miséria e à desigualdade precisam ser simultâneos.
''Não há como reduzir pobreza sem fazer distribuição
de renda'', diz.
Já o
professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec)
e ex-diretor do Banco Central (BC) Carlos Thadeu de Freitas concorda
com o presidente. ''No mundo moderno, não há como
fazer distribuição de renda. Se tributar o capital,
ele foge. Se aumentar impostos dos bens de consumo dos ricos, gera
desemprego e prejudica justamente os mais pobres'', pondera.
Num momento
em que estão sendo discutidos no Congresso o reajuste do
salário mínimo e a correção da tabela
do Imposto de Renda, o presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou
que não há mágica para se fazer um orçamento
nacional. ''A aritmética é a mesma em todos os países.
Se gastar mais do que arrecada, haverá déficit. Se
houver déficit é preciso financiá-lo'', disse.
A declaração
do presidente foi um recado a parlamentares que defendem um salário
mínimo superior a R$ 200. Fernando Henrique ressaltou, no
entanto, que os déficits também são necessários
e que ''em certas condições'' são produzidos
para reativar a economia.
O presidente
Fernando Henrique Cardoso afirmou que o fast track (mecanismo que
dá plenos poderes ao governo dos Estados Unidos nas negociações
de comércio exterior), nas condições em que
foi aprovado pela Câmara dos Estados Unidos, inviabiliza a
implantação da Área de Livre Comércio
das Américas (Alca). ''O fast track foi aprovado com condicionantes
que, se forem levados ao pé da letra, impedirão a
Alca'', disse o presidente.
Fernando Henrique
reforçou a posição brasileira de privilegiar
as negociações em bloco e não isoladamente.
''Vamos partir sempre da nossa experiência no Mercosul'',
acrescentou FH, para quem o bloco não está inviabilizado
apesar da grave crise econômica enfrentada pela Argentina.
''São dificuldades graves, mas passageiras'', comentou.
(Jornal do Brasil)
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Em busca de um país
normal
"A prioridade
econômica máxima é o combate à desigualdade".
A frase está na página 31, quando o texto de "Desenvolvimento
com justiça social: esboço de uma agenda integrada
para o Brasil" (íntegra para download no final da página)
já passa da metade. Dita assim, pode até parecer banal.
Mas nela está o maior mérito da proposta do Iets (Instituto
de Estudos do Trabalho e Sociedade) com a participação
de um grupo de estudiosos, por encomenda do Instituto Ulisses Guimarães.
O melhor do texto está aí: o combate à desigualdade
sai da desprestigiada categoria de problema social e é promovido
a importante classificação de problema econômico.
Não é
pouco, principalmente por que os autores demonstram que o grande
obstáculo ao fim das desigualdades no Brasil está
na naturalidade com que a sociedade brasileira convive com os abismos
sociais. Além disso, é preciso considerar o fato de
que não é toda hora que um grupo, formado em sua maioria
por economistas, reconhece que a economia, sozinha, não tem
instrumentos para resolver o problema. Por isso, todas as propostas
técnicas apresentadas no documento apontam para a solução
de problemas sociais, mesmo quando se trata de discutir reforma
do sistema financeiro, mudança das leis trabalhistas ou reforma
tributária.
Para atingir
o alvo, o documento parte da premissa - óbvia, mas não
necessariamente consensual - de que o Estado brasileiro é
desigual, promotor de privilégios e incapaz de alcançar
os verdadeiramente pobres com os seus R$ 135 bilhões anuais
de gastos sociais. Neste ponto, as baterias são apontadas
para os que fazem a defesa irredutível do desenvolvimento
econômico como solução para os problemas brasileiros.
O documento critica a "abordagem tradicionalmente conservadora
dos desenvolvimentistas" e alerta para o fato de que defender
crescimento econômico contra problemas sociais é sinônimo
de defender manutenção dos privilégios da sociedade
brasileira, que sempre beneficiou a poucos.
Criticar esquerda
e direita por propostas desenvolvimentistas não é
a única ousadia do time que elaborou o estudo. A partir de
uma palavra-chave - invisibilidade - o texto defende que o maior
obstáculo para que exista uma política social eficiente
é o fato de que os pobres - 1/3 da base da pirâmide
- são invisíveis. Politicamente, por falta de representação,
economicamente, por estarem na faixa mais baixa de renda, e socialmente
porque sequer são reconhecidos pelo Estado, que não
dispõe de mecanismos para alcançar os que mais precisam
das políticas sociais. Embora o texto faça amplo diagnóstico
dos problemas sociais brasileiros, três indicadores são
escolhidos, não por acaso, como os mais contundentes exemplos
da desigualdade inaceitável:
- Metade das
crianças brasileiras é pobre
- 63% dos pobres
brasileiros são negros
- 60% dos jovens
e adultos não completaram 8 anos de estudo
Quem for à
íntegra do texto vai achar mais números, mas é
desnecessário consultá-los para compreender o argumento
dos autores: com metade das crianças pobres, com mais da
metade dos adultos sem instrução, e com os negros
confinados na pobreza, o desenvolvimento econômico jamais
alcançará os que estão previamente fora do
alcance dos benefícios que a atividade econômica aquecida
pode produzir a médio e longo prazo.
Por isso, e
para que possa ser útil ao debate de propostas eleitorais
que, espera-se, estarão em discussão a partir de 2002,
o trabalho apresenta uma lista de propostas, a maioria de atuação
microeconômica. Ambicioso, o documento apresenta elenco de
sugestões para quase tudo -ficam de fora questões
urbanas e meio ambiente -, mas ao mesmo tempo é genérico
o suficiente para levantar o debate sem ser obrigado a entrar em
detalhes sobre a implementação ou a viabilidade de
cada idéia apresentada.
A melhor delas
é o Seguro Social Universal, mecanismo de distribuição
de renda que utilizaria apenas 6% do que é hoje o gasto social
do governo para fazer complementação de renda, associada
à educação, para quem estivesse abaixo da linha
de pobreza - R$ 75,00 mensais. Inspirado num programa mexicano,
a idéia vem sendo discutida entre economistas da PUC e inclui
três valores de remuneração: R$ 150,00, R$ 223,00,
e R$ 298,00, todos condicionados à presença dos filhos
na escola.
Famílias
com filhos entre 15 e 19 anos, onde a evasão escolar é
maior, seriam as mais beneficiadas. Mas para famílias com
gestante, por exemplo, a contrapartida para a renda seriam consultas
pré-natal periódicas. Para adultos sem filhos, a condição
seria a realização de trabalho comunitário,
de tal forma a permitir que todos os pobres - e não apenas
os que têm crianças em idade escolar - possam receber
algum tipo de benefício.
Além
desta proposta social, o documento tem idéias para o estabelecimento
de uma política econômica voltada para a área
social em diversos itens, como reformas tributária, da previdência,
das leis trabalhistas, do sistema financeiro e do acesso ao crédito.
Ousado, como precisa ser um trabalho que pretenda pautar o debate
eleitoral, propõe nova agenda de discussões que foge
da falsa dicotomia entre crescer e não crescer. Considera
que, claro, é preciso crescer, mas não é este
o dilema. A grande questão é: por que um país
com alta renda per capita não consegue ter indicadores de
desigualdades compatíveis com seu nível de renda?
Se pudesse ser normal, o Brasil seria 60% melhor.
(www.no.com.br)
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